terça-feira, 30 de dezembro de 2008

NA PROFUNDEZA DO NOSSO DESEJO

«Nunca tu me procurarias, se me não tivesses já encontrado» (Blaise Pascal)
«Felipe achou a Natanael, e disse-lhe: Acabamos de achar aquele de quem escreveram Moisés na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José.

Perguntou-lhe Natanael: Pode haver coisa bem vinda de Nazaré?

Disse-lhe Felipe: Vem e vê.

Jesus, vendo Natanael aproximar-se dele, disse a seu respeito: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!

Perguntou-lhe Natanael: Donde me conheces?

Respondeu-lhe Jesus: Antes que Felipe te chamasse, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira.» (João 1: 45-48)

"É de notar que Jesus se revelou a Natanael como alguém quue não lhe é estranho nem desconhecido, mas como quem já o conhecia duma forma pessoal e íntima. E, sobretudo, que o aprecia e o estima.

«Nunca tu me procurarias se me não tivesses já encontrado» - é uma frase que Pascal põe na boca de Cristo. Mas talvez fosse mais apropriado dizer: «Nunca tu me procurarias, se eu não te tivesse já encontrado», se eu te não tivesse descoberto no mais íntimo de ti mesmo.

Deus é sempre o primeiro a amar. Qualquer movimento de aproximação do homem a Deus é sempre precedido do movimento de Deus em direcção ao homem. Deus já se encontra presente no mais íntimo do desejo humano.

Este encontro de Jesus com Natanael está carregado de sentido. Jesus manifesta-se como alguém com quem já estamos relacionados no mais recôndito de nós mesmos, ainda antes de O conhecermos. Na profundeza do nosso desejo

(Eloi Leclerc, em "Vida em Plenitude")

domingo, 28 de dezembro de 2008

A VERDADEIRA FIDELIDADE

«Importa esperar contra toda a esperança, é preciso crer que o fracasso é só aparente, que não é senão o sinal, proposto à nossa fé, das misteriosas vitórias do amor de Deus. A resignação não é a fé. Nunca...

A verdadeira fidelidade não consiste em dizer: parece que tudo fracassou, mas em afirmar: é um êxito. Parece que não vai acontecer... mas acontece doutro modo, doutra maneira. Não compreendo como, não compreendo porquê, não me foi dado compreender. Mas eu creio naquilo que o Senhor afirmou...

A exigência de Deus é tremenda, no que diz respeito à fé, à esperança e à confiança.
Os santos são pessoas que aceitaram acreditar sem compreender.»

(Louis Evely, em "Tu és esse homem")

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

UM SANTO NATAL


Um Santo e abençoado Natal para todos vós, caros amigos, leitores, irmãos.

Sintam-se abraçados fraternalmente.


"Ouvi contar esta história.
Uma criança com toda a naturalidade, voltou-se para Deus e perguntou-lhe:
"E tu, o que é que queres ser quando fores grande?"
"Pequeno", respondeu-lhe Deus, também com toda a naturalidade.
Os homens querem ser grandes, mas a grandeza de Deus está em tornar-se pequeno, em dar a vida, em desaparecer pelo bem do outro."

(Vasco Pinto de Magalhães, s.j. in "Não há soluções, há caminhos")

«Já não sabendo como fazer para ser compreendido, o próprio Deus veio à Terra, pobre e humilde: se Jesus Cristo não tivesse vivido no meio de nós, Deus permaneceria longínquo, inatingível. Pela sua vida, Jesus concede-nos a graça de ver Deus de forma transparente

(Irmão Roger, de Taizé, em "Viver em tudo a paz do coração")

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

COMO MARIA


Senhor, dá-me um coração enamorado
como o coração de Maria;
um coração generoso
como o coração de Maria;
um coração aberto à tua Palavra
como o coração de Maria.

Faz com que descubra cada vez mais
a riqueza insondável que és Tu,
e que ninguém conhece, como a Tua Mãe;
que descubra que só com um coração desprendido,
chegarei a pôr a minha confiança em ti,
como a pôs a tua Mãe.

Faz enfim, Senhor,
Que como para Maria,
Tu sejas a minha única riqueza, o meu único tesouro,
a minha única seiva, a minha única vida;
o meu sustento e alimento;
meu bem e minha alegria.

(Pedro Muñoz Peñas, em "Orar com Deus")

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A LUZ DA LIBERDADE

«O amor quer que o outro seja e que seja verdadeiramente outro. Não um reflexo de si, não um satélite, mas uma outra liberdade. Deus quer - é o seu próprio ser, o seu acto simples, eterno - que o outro seja, que os outros sejam. E este querer é eficaz, como todo o querer divino.

Aquele que é a luz, quer que a luz resplandeça nos olhos do ser amado. Se te amo, não posso querer que os teus olhos sejam baços. Se te amo, quero que haja luz nos teus olhos e desejo estar junto de ti como um contágio de luz, uma transmissão de existência luminosa.

Um olhar de amor ou amizade, é um olhar de ambição para o outro. Amo-te quer dizer: sou ambicioso em relação a ti, sobretudo não quero dominar-te nem abafar a tua liberdade, desejo despertar-te. Quero que a minha liberdade comungue com a tua, o que não é possível se a tua não existir.(...)

Deus é suscitador de pessoas livres. Ele não pode amar-nos se não vir nos nossos olhos a luz da liberdade

(François Varillon, em "Alegria de Crer e Viver")

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

«VÓS TAMBÉM QUEREIS ABANDONAR-ME?»

«Diante de Jesus cada qual se sentia colocado perante uma exigência absoluta, uma escolha rigorosa e decisiva. Ficava-se, acto contínuo, despojado de todos os refúgios. Perdia-se segurança, vacilava-se estonteado com as alturas para que Ele impelia.

Então, uns refechavam-se rancorosamente, recusando-se logo, para maior segurança, não descansando enquanto não alcançavam medrosamente os seus covis. «Ele exagera... Impossível! Com que direito exige tudo isto?». E para futuro evitavam encontrá-l`O, ouvi-l`O e pensar no caso.

Sempre foi muito fácil fugir de Deus. Deus não força ninguém. Deus espera. Deus chama com infinita paciência. Mas nada pode contra aqueles que recusam expor-se ao Seu olhar e à Sua voz, aqueles que fingem prudentemente não O terem reconhecido.

«Vós também quereis abandonar-me?»

Porém, outros, ainda que também amedrontados, agitados e aturdidos, continuavam a escutar. E à medida que Ele falava sentiam e compreendiam haverem desde sempre esperado que Alguém lhes exigisse aquelas coisas inauditas, haverem sempre esperado Alguém, para crerem n`Ele, que ousasse exigir-lhes tudo aquilo. Só uma exigência assim total podia corresponder à sua imensa esperança.

Era como que um orvalho que despertasse, de súbito, a parcela mais profunda de nós mesmos: sentia-se que a verdadeira religião não poderia ser senão aquela; que Aquele que exigia a renúncia a tantas coisas era também Aquele que nos podia dispensar delas; que somente Aquele que exigia tudo isto, podia infundir a coragem de nos conformarmos.

O maior sacrifício era a maior libertação. Pois estamos obrigados a confiar absolutamente naquele que de tudo nos despojou...»

(Louis Evely, em "Tu és esse homem")

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

AS BEM-AVENTURANÇAS

«As Bem-aventuranças são uma primeira confrontação com o Deus vivo: revelação d`Ele e de nós. No mesmo relance, vemos como nos não parecemos com elas e principiamos a ver ao que Deus Se assemelha.
O Evangelho é o «Revelador» que faz aparecer na chapa sensível o desenho antes invisível para os nossos olhos.

Deus propõe-Se a nós, manifesta-Se -nos, Deus mostra-nos, enfim, um Rosto - e pede para nós o reflectirmos. Deus mostra-nos o Seu caminho e convida-nos amistosamente a acompanhá-l`O.

Qual tem sido a nossa resposta?
Que teríamos feito, que fizeram aqueles que rodeavam Jesus na montanha?»

(Louis Evely, em "Tu és esse homem")

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

DÁ-NOS O TEU OLHAR


Nunca homem algum respeitou os outros homens como este homem. Para Ele, o outro é sempre mais e melhor do que aparenta ser. Vê sempre, naquele a quem encontra, uma esperança, uma promessa viva, uma possibilidade maior, apesar dos seus limites, dos seus pecados e até dos seus crimes. Enfim, alguém chamado a um novo porvir.

Jesus não disse: «Esta mulher é frívola, néscia, com a cabeça cheia de pássaros, está marcada pelo atavismo moral e religioso do seu ambiente», Ele disse: «É uma mulher!» Ele pediu-lhe um copo de água e iniciou com ela uma conversão (Jo 4, 1-42).

Jesus não disse: «Aqui tendes uma pecadora pública, uma protistuta enlameada para sempre no vício.» Ele disse: «Tem mais oportunidades de entrar no Reino de Deus do que aqueles que confiam na sua riqueza e se atêm à sua riqueza e saber» (Lc 7, 36-49)

Jesus não disse: «É uma adúltera.» Ele disse: «Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não voltes a pecar» (Jo 8, 9-10)

Jesus não disse: «Esta que quer tocar a minha túnica é uma histérica». Ele escutou-a, falou-lhe e curou-a. (Lc 8, 43-48)

Jesus não disse: «Esta velha que deita uns tostões no tesouro do templo é uma supersticiosa.» Ele disse que aquela velhinha era formidável e que o seu desinteresse merecia ser imitado (Mc 12, 41-44)

Jesus não disse: «Estas crianças não fazem senão parvoíces.» Ele disse: «Deixai que se aproximem de Mim e procurai parecer-vos com elas» (Mt 19, 13-15).

Jesus não disse: «Este homem é um funcionário corrupto, que enriquece adulando os ricos e oprimindo os pobres.» Ele convidou-se para a sua mesa e deixou claro que com Ele tinha entrado naquela casa a salvação.» (Lc 19, 1-10).

Jesus não disse: «Este centurião pertence às forças da ocupação.» Ele disse: «Nunca vi tanta fé em Israel» (Lc 7, 1-10).

Jesus não disse: «Este sábio não tem os pés na terra». Ele abriu-lhe o caminho para que voltasse a nascer do Espírito. (Jo 3, 1-21).

Jesus não disse: «Este indivíduo viveu sempre fora da lei.» Ele disse-lhe: «Hoje estarás comigo no paraíso.» (Lc 23, 39-43).

Jesus não disse: «Judas, traíste-me.» Ele viu-o e disse-lhe: «Amigo, vendes-me com um beijo?» (Mt 26, 50)

Jesus não disse: «Este impostor negou-me.» Ele disse-lhe: «Pedro, amas-me?» (Jo 21, 15-17)

Jesus não disse; «Os sumo-sacerdotes são uns juízes injustos; este rei é um títere, o procurador romano é um cobarde, esta multidão que vocifera contra mim é um populacho, estes soldados que me maltratam são uma podridão.» Ele disse: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.» (Lc 23, 34)

Dom Albert Decoutray (bispo de Dijon, França)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

UM ACTO DE AMOR MÚTUO

«O Pai gera Jesus no Espírito que é amor. Ele o gera amando-o. Ora, as relações de amor se estabelecem na liberdade, e Jesus devia se deixar gerar.
Face ao Pai, a quem pertence a iniciativa, Ele devia desempenhar um papel, o papel da receptividade filial. Pois não se pode doar a quem não quer receber...

Jesus era o homem livre por excelência, descompromissado com as tradições dos escribas e dos fariseus, contrário à imagem que eles faziam de Deus, crítico dos chefes dos sacerdotes, porque abusavam do seu poder religioso, livre até de si mesmo em sua renúncia pessoal total. Mas, perante Deus, Ele viveu em submissão absoluta...

Sua submissão a Deus é expressa por meio de actos de liberdade...

Os sofrimentos encaminharam Jesus para um consentimento eterno. Um cristão que vive suas provações com espírito de fé e caridade torna-se disponível para com Deus, num grau de profundidade nunca antes experimentado. E assim foi com Cristo: "Embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento; e, levado à perfeição, tornou-se princípio de salvação para todos" (Hb 5, 8).
A paixão de Jesus nada teve de um castigo infligido a um Inocente, que Deus teria escolhido para sofrer em lugar dos pecadores.

O ancestral desobediente cede lugar ao novo Adão (Rm 5, 12-18) "feito obediente até à morte". A redenção é uma obra de obediência, por meio de amor mútuo: "Por isto o Pai me ama, porque dou minha vida para retomá-la... esse é o preceito que recebi do Pai" (Jo 10, 17s.)» (Pe. François-Xavier Durrwell, em "Cristo Nossa Páscoa")

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O CÉU COMEÇA AQUI

«O mundo terrestre tem acesso ao mundo celeste todas as vezes que há amor, dom, comunhão.
Daí que «ganhar o céu» vem a ser uma expressão não apenas falsa mas absurda; e a acusação de que o cristão é «mercenário» cai pela base. Não ganhamos o céu mas familiarizamo-nos com ele, habituamo-nos e aclimatamo-nos a ele. Preparamo-nos para ele. E construimo-lo. Todos juntos...

Eu estou convencido de que o céu consistirá em reviver, numa plenitude de luz, os maravilhosos instantes da nossa existência terrena. A cada passo nos deteremos confundidos com a generosidade do nosso Deus e confusos pela nossa inconsciência passada. Reviver um só momento nos lançará em transportes de júbilo e de reconhecimento. Como era belo o mundo e quanto nós grosseiros ao caminhar assim, enjoados e desiludidos, a meio de todas as suas maravilhas!
Deus não soubera que mais inventar para nos alegrar a cada hora, em cada minuto. Procedera como o pai que para fazer sorrir o filho exibe tesouros diante dele e só obtém do tiranozinho insaciável esta resposta:
«Quero mais. Dá-me outras coisas».

A mais espantosa das surpresas que por nós espera no céu será a de não encontramos lá nada de novo.»

(Louis Evely, em "Tu és esse homem")

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

UM AMOR DESCONCERTANTE

“[o amor] tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” – 1 Coríntios 13, 7

“Jesus esperava tudo de todos. Para além das nossas comédias mais enfadonhas, das nossas defesas mais consternadoras – respeitabilidade, seriedade, sobranceria, dignidade ou indignidade, mutismo ou imprecações, Ele adivinhava a criança insuficientemente amada que tinha cessado de crescer porque tinham deixado de crer nela.
O Senhor não se prendia a nenhuma das nossas aparências: sabia que as pessoas são capazes de tudo, tanto para ter boa como para ter má aparência. E que tão digna de dó é uma como outra. É por não termos sido amados, descobertos, incentivados, considerados capazes de melhorar… que nos tornamos tão maus.
Deus existe em cada ser e espera ser adivinhado nele para nele crescer.

Amar um ser é dirigir-lhe o mais forte e imperioso apelo, é alvoroçar nele um ser oculto e mudo que não pode evitar levantar-se à nossa voz; um ser tão novo que era desconhecido até daquele que o contém e todavia tão verdadeiro que não pode deixar de o reconhecer quando o descobre.

Amar alguém é chamá-lo à vida, é convidá-lo a crescer.

E não se tem a coragem de crescer senão para alguém que crê em nós.
Ao nível em que cessaram de crescer é que devemos atingir aqueles que encontramos, ao nível em que foram abandonados e se aprisionaram então a si mesmos, em que principiaram a segregar uma carapaça porque imaginavam estar sós.
Importa que alguém nos ame bem profundamente, bem audaciosamente para nós ousarmos mostrar-nos humildes, bondosos, ternos, simples, vulneráveis. (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A GRANDE ILUMINAÇÃO - Paul Claudel

Paul Claudel (1868-1955) :grande poeta e dramaturgo francês do século XX. Sua obra, profundamente marcada pela sua repentina conversão ao catolicismo, muitas vezes gira em torno de um dos principais temas do cristianismo: a acção da graça e a correspondência humana.


Paul Claudel nasceu a 6 de agosto de 1868, durante a festa da Transfiguração, em Villeneuve-sur-Fère-en-Tardenois, pequena aldeia do Aisne onde seu tio-avô foi cura. Entretanto, apesar da família de Claudel ter dado vários padres à Igreja, ele “era indiferente e, depois de nossa chegada a Paris”, escreveu o poeta em Ma Conversion (1913), “tornei-me nitidamente estranho às coisas da Fé”.
Não nos surpreende, pois foi o que se passou na segunda metade do século XIX com numerosas famílias burguesas. Claudel acrescenta: “Tinha feito uma boa primeira comunhão, que, como ocorre com a maioria dos jovens, foi ao mesmo tempo o coroamento e o fim das minhas práticas religiosas”.

Mais tarde, porém, acontece a sua fulgurante e repentina conversão. Uma experiência que haveria de dominar toda a sua vida:

"Assim era a infeliz criança que, a 25 de dezembro de 1886, foi a Notre-Dame de Paris para assistir aos ofícios de Natal. (...)
...conduzido e apertado pela multidão, assisti, com um prazer medíocre, à grande missa. Depois, não tendo nada melhor a fazer, voltei para assistir às vésperas. As crianças do coro, vestidas de branco, e os alunos do seminário-menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, que os ajudavam, estavam a preparar-se para iniciar o canto que mais tarde soube ser o Magnificat.

“Estava misturado ao povo, junto do segundo pilar à entrada do coro, à direita da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Num determinado instante, meu coração foi tocado e acreditei. Acreditei com tal força, com tal adesão de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com tal certeza sem deixar lugar a qualquer espécie de dúvida que, depois, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar-me a fé, nem mesmo, para ser mais preciso, tocá-la de leve que fosse.
“Tive de súbito o forte sentimento da inocência, da eterna juventude de Deus, uma revelação inefável.

Tentando, como o fiz várias vezes, reconstituir os minutos que se seguiram a este instante extraordinário, encontro os elementos seguintes que, entretanto, não formam senão um clarão, uma única arma de que a Providência Divina se servia para atingir e abrir enfim o coração de uma pobre criança desesperada: “Como aqueles que crêem são felizes! E se fosse verdade? É verdade! Deus existe, Ele está em toda parte, É alguém, é um Ser tão pessoal como eu. Ele me ama, Ele me chama.

“As lágrimas e os soluços vieram... e o canto tão doce do Adeste , aumenta ainda mais a minha emoção. Emoção bem doce, mas a que se misturava um sentimento de espanto e quase de horror. Porque as minhas convicções filosóficas não estavam destruídas. Deus as havia deixado desdenhosamente onde estavam, e eu nada via a mudar nelas; a religião católica me parecia continuar o mesmo tesouro de anedotas absurdas, seus padres e fiéis me inspiravam a mesma aversão que ia até o ódio e o desgosto. O edifício de minhas opiniões e de meus conhecimentos permanecia de pé e nada via de falho nele.
Tinha apenas me retirado. Um novo e terrível ser, com exigências terríveis para o jovem e o artista que eu era, tinha se revelado e não sabia como conciliá-lo com coisa alguma que me cercava.“O estado de um homem que fosse arrancado de um golpe de seu corpo, para ser colocado em um corpo estranho, no meio de um mundo desconhecido, é a única comparação que posso encontrar para exprimir este estado de confusão completa. O que mais repugnava a minhas opiniões e a meus gostos, é que era a verdade e com o que seria necessário que de bom ou de mau grado eu me adaptasse. Ah! Isso não aconteceria sem que tentasse tudo que me fosse possível para resistir”.

Claudel trava então uma "luta contra Deus" que durou quatro anos. Quem estiver interessado em saber como se desenrolou essa luta e outros aspectos da vida e obra deste poeta e dramaturgo, é só clicar aqui:http://www.quadrante.com.br/pages/servicos02.asp?id=193&categoria=Biografia_Testemunho&pg=buscaartigo&campo=paul

Fonte: Quadrante

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

ORAR É MORRER


«Todo o Cristianismo se resume em saber morrer e ressuscitar, em acreditar que Cristo é Aquele de cuja Morte e Ressurreição nós podemos participar...

A oração é uma preciosa experiência de morte e de ressurreição.
A oração é transformadora.

Principia-se habitualmente por pedir aquilo que não convém.
E importa morrer para aquilo que se pede e despertar para Aquele a Quem se pede...

Orar é colocar-se ao dispôr de Deus para que Ele realize finalmente em nós o que sempre desejou e para o qual nunca lhe oferecemos nem tempo, nem oportunidade, nem possibilidade.

Orar é colocar-se ao dispôr de Deus para que Ele finalmente nos possa dar aquilo que desde sempre quis dar-nos e que nós nunca nos decidimos a receber porque nunca Lhe proporcionamos tempo, ocasião, liberdade para no-lo dar.

Orar é o tempo da incarnação de Deus nós, o tempo em que Lhe consentimos trabalhar em nós para nos transformar n´Ele

Louis Evely, em "Fraternidade e Evangelho"

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

UMA IGREJA VERDADEIRA


«O nosso mundo anseia por se converter mas não se converterá a Deus sem encontrar uma verdadeira Igreja, uma verdadeira Fraternidade. O mundo de hoje é demasiado realista para acreditar em raciocínios, em demonstrações e em provas. Quer, como S. Tomé, ver e tocar, encontrar mãos abertas (sabeis perfeitamente o que isto quer dizer), deparar com corações abertos, com um acolhimento afectuoso e confiante...

O mundo não acreditará em Deus, se não vir uma Igreja verdadeira. O mundo não acreditará na Ressurreição de Cristo, se o levares à Biblioteca Nacional para estudar as fontes da Revelação cristã. Para ele, só há uma prova de que Cristo ressuscitou: é que Ele continua vivo. E só uma prova existe de que Cristo continua vivo e é que Seu amor ainda vive no mundo, vivendo no nosso amor.
Este é o testemunho válido de que o amor de Cristo vive no mundo: que nós vivamos do amor, que nós amemos os outros com um amor que ultrapassa as forças do nosso coração...

O mundo precisa de encontrar uma verdadeira Igreja onde o amor do Cristo ressuscitado seja vivo, um ambiente onde se ame...
Este é o milagre que os cristãos deviam realizar: o milagre do seu amor.
Que onde quer que viva um cristão se construa uma fraternidade e nela se manifeste uma oferta e um apelo de amor...

O mais precioso serviço a prestar a alguém é oferecer-lhe uma imagem dele na qual se possa reconhecer e aceitar-se.
Isto é o que o mundo espera: que realizemos o milagre de nos amarmos assim.

É assim que se procede quando se ama um ser: ama-se tanto que ele ousa tirar a máscara diante de nós e principia a ousar ser bom e meigo, e vulnerável e generoso como nunca tinha sido para com ninguém e tudo isso apenas porque nós o animámos a ser assim...

O mundo converter-se-á quando vir uma verdadeira Igreja onde dois ou três de entre nós, reunindo-se e amando-se, lhe oferecerem a imagem dele mesmo que o mundo reconhecerá como o ideal a que aspira e que em vão procurou em tantas Igrejas...»

(Louis Evely, em "Fraternidade e Evangelho")

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

QUE SIGNIFICA AMAR?

«Que significa amar?
Amar um ser é esperar nele para sempre.

Amar um ser é não o julgar; julgar um ser é identificá-lo com aquilo que dele se conhece. «Agora, conheço-te. Agora julgo-te. Sei aquilo que vales»... Isto representa matar um ser.
Amar um ser é esperar sempre dele algo de novo, algo de melhor.

Se bem leio no Evangelho, poderei concluir da maneira pela qual Jesus saiu ao encontro dos homens e os amou e enriqueceu, que Ele sempre os considerou crianças, crianças que não haviam crescido convenientemente, que não haviam sido suficientemente amadas.
Cristo nunca os identificou com aquilo que tinham feito até então.
Pensai, por exemplo, em Maria Madalena: Cristo esperava dela algo que ninguém tinha conseguido descobrir e amou-a tanto, perdoou-lhe tão generosamente que dela obteve o amor mais puro e mais fiel e, admirados, todos à sua volta comentavam: «Será possível que ela seja assim?! Tínhamo-la julgado, pensávamos conhecê-la, haviamo-la condenado e tudo porque nunca fora convenientemente amada...»

Cristo amou-a com tal perfeição que a tornou aquilo que os outros, pobres e desconfiados, demasiado avarentos de amor, não tinham sido capazes de suscitar nela.

Cristo aguardava, esperava tudo de toda a gente. Fazia surgir, ao Seu redor, vocações, amizades e generosidades; e todos os que supunham conhecer de longa data aqueles personagens, quedavam atónitos: «Como? Zaqueu tornou-se generoso? Maria Madalena tornou-se pura e fiel? Tomé tornou-se crente? Mateus, o publicano, feito Apóstolo? E todos esses pobres, todos esses pecadores se transformaram em apóstolos e santos?... Como é possível?»

Alguém os tinha amado, tinha acreditado neles.
Alguém não havia repetido o que nós dizemos: «Não há nada a fazer dele, nada se conseguirá. Tentei tudo. Não quero tornar a vê-lo. Não volto a escrever. É perder tempo...»

Cristo foi ao encontro de cada um deles, dizendo: «Só porque não foi amado o bastante é que se tornou assim mau. Se o amassem mais, seria melhor. Se tivessem sido mais delicados, mais generosos, mais afectuosos para com ele, ele teria conseguido libertar-se daquela armadura, daquela carapaça de que se revestiu para não sofrer tanto»...

(Louis Evely, em "Fraternidade e Evangelho")

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

AQUI E AGORA

«Certas pessoas que não encontraram Deus nem na Sua Palavra nem no perdão nem na fé (sobre-humana) nem no próximo (demasiado humano) nem na sua vida (excessivamente profana)... guardam a esperança de O encontrar... no céu!
Resta-nos uma derradeira tarefa: desiludir esta esperança, dissipar quanto antes esta ambiguidade que os arrisca a perderem para sempre o Senhor.

Se não tiverdes encontrado Deus na terra, não O encontrareis no céu. O céu não é um mundo diferente, para onde possamos evadir-nos. O reino dos céus já está em nós, e devemos construí-lo com as graças que Deus nos concede.

«A vida eterna consiste em Te conhecer a Ti, o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a Quem envisate.» (Jo 17, 3).

Aqueles que não principiaram na terra esta vida eterna, aqueles aos quais a presença e o amor de Deus (oferecidos a todo o homem vindo a este mundo) não iluminaram desde aqui, aqueles que na vida nada têm para eternizar - esses não conhecerão o céu.

A terra é o local onde o céu se constrói.
Deus não nos convida a passarmos para o outro mundo. Deus fez-Se convidado para o nosso mundo. Resgatou-o, lançou nele forças infinitas, a nós confiadas, para nós o transformarmos e, um dia, coroará a Sua e nossa obra, eternizando-a.
Deus não reside num outro mundo. Deus entrou neste mundo e nunca mais saiu dele. Cristo não Se retirou. Está connosco todos os dias.

Na Ascensão, Cristo não partiu: desapareceu...
Uma partida gera uma ausência; um desaparecimento inaugura uma presença oculta.
Pela Ascensão, Cristo torna-se invisível. É plenamente glorificado na Sua Humanidade, entra na partilha da Omnipotência do Pai e, por isso, fica em mais íntima relação com cada um de nós.
Longe de nos abandonar, de nos deixar orfãos, adquire aquela eficácia infinita que Lhe permite inundar tudo com a Sua presença: «Subiu ao céu a fim de encher tudo com a Sua presença» (Ef. 4, 10)

Que alegria! Deus está na terra connosco e jamais nos abandonará porque a Sua presença espiritualizada atingirá uma intensidade e uma extensão que Sua presença carnal seria incapaz de obter. Era vantajoso para nós que Ele partisse de forma visível a fim de O encontramos por todo o sempre, em toda a parte, dum modo invisível.» (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

PROPRIEDADE DE DEUS

"Só Deus nos conhece para além das nossas aparências.
Só Deus nos continuará a amar, ainda que percamos todas as nossas qualidades, porque Ele não ama as nossas qualidades mas a nós. Só Deus nos suportará sempre.

Só Ele sabe o que de nós espera e todas as pessoas que fez depender de nós e os gestos que de nós atende.
Quando nos desprezamos a nós próprios, desprezamos todos estes projectos, todos estes desejos de Deus em nós, toda aquela alegria que Deus havia esperado de nós, toda a esperança que depusera em nós.

Estamos perante o essencial da religião: acreditar que aquilo que eu faço interessa a Deus. O verdadeiro ateísmo consiste em pensar o contrário, resignar-se ao contrário. Uma vida ateia é uma vida na qual tudo se passa, tudo se sente, tudo se enfrenta e tudo se sofre como se não acreditássemos naquela verdade. Quantos ateus entre nós?

Cada um de nós é propriedade de Deus. Uma propriedade que Deus nos confiou. Quase nunca sabemos para que serve, pois geralmente Deus cuida de no-lo ocultar. E é normal que nos interroguemos com frequência: para que poderá servir, para quem poderá ser verdadeiramente útil a nossa vida? A fé consiste em crer que Deus a considera útil, necessária ao Seu plano, indispensável à Sua alegria. » (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

QUE AMA DEUS EM NÓS?

Que ama Deus em nós?

Não o nosso valor, certamente. Se por acaso tirássemos tal conclusão, chegaríamos à oração (cheia de reconhecimento, note-se) do fariseu, da qual sabemos o que Jesus pensava. (...)

Não é pelos nossos pecados que somos amados por Deus. «Ele estava indignado com a dureza dos seus corações», como com a resistência que nós opomos ao Seu apelo.
Amou Maria Madalena, mas Maria Madalena mudou desde o primeiro encontro.
E o jovem rico que se afastou perante as Suas exigências, não se tornou Seu amigo.

Deus ama... aqueles a quem pode dar mais, aqueles que esperam mais d`Ele, os que Lhe são mais abertos, Lhe «pesam» mais, se Lhe abandonam.
Sejam puros como João ou maculados como a Madalena ou Zaqueu, pouco Lhe importa.
Aquilo que conta aos Seus olhos é que se queiram apoiar n`Ele, não viver senão por Ele.

Deus ama a humildade, a abertura, a frescura daqueles que, suficientemente honestos para se considerarem pouco amáveis, são todavia suficientemente simples para acreditar que são amados e para tudo esperarem, alegremente, d`Ele.» (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

ACREDITAS NO SEU AMOR?

«O que a nossa religião tem de único no mundo é que ela nos convida a acreditar que foi Deus Quem nos amou primeiro.

Não se trata simplesmente de admitir que Deus ama a humanidade. Trata-se, isso sim, de acreditar que este amor é verdadeiro e, portanto, concreto, orientado pessoalmente para cada um de nós. (...)
A fé no amor de Deus consiste em crer que Ele Se interessa apaixonadamente por cada um de nós, pessoalmente. E constantemente.(...)

Quando eu chegar a acreditar que Ele até a mim ama - a mim, este ser insuportável, cujo peso só eu avalio - conhecerei a medida do Seu amor inverosímil.

Os santos são aqueles que poderão exclamar: «Eu conheci o amor que Deus tinha por mim e acreditei nele».

No Julgamento, isto em primeiro lugar nos será perguntado:

Acreditaste que Deus te amava, a ti?
Acreditaste que Deus esperou por ti, te conheceu, te desejou, a ti, dia após dia?»

(Louis Evely, em "Tu és esse homem")

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O Espírito Vivificante


«A doutrina de Jesus não é uma filosofia, mas uma experiência de vida: os apóstolos de Jesus não podem, portanto, ser propangadistas duma filosofia, dum sistema de pensamento.
Não poderão repetir a sua palavra a não ser pelo testemunho duma experiência, a experiência de uma determinada relação com Deus.

Durante a vida de Jesus, testemunhá-la-ão muito imperfeitamente: "Vão ser lentos em crer, prontos a deformar, vagarosos em levar" (1).
Mas, depois do Pentecostes, o Espírito Santo, que é o Espírito de Jesus, quer dizer, Aquele que inspira desde dentro e anima a actividade de Jesus, conceder-lhes-á reproduzir a maneira de viver e de actuar de Jesus, a vida vivida em plenitude segundo a lógica do amor.

Faltando isto, o cristianismo seria um sistema(...) »

(François Varillon, em "Alegria de Crer e de Viver")
(1) J. Guillet

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

TOCAR EM CRISTO



«Ler o Evangelho é escutar Cristo, é tocar em Cristo. É entrar em contacto com Cristo pela fé.

Já no Seu tempo, Ele não provocava senão efeitos comuns naqueles que apenas O consideravam um homem comum.
Um dia, a meio duma multidão, o aperto era tal que Ele estava continuamente a receber encontrões. Certa mulher, porém, acercou-se d´Ele com fé: «Se eu tocar a fímbria do Seu manto, serei curada». Tocou e foi curada. Então Jesus parou e disse: «Quem me tocou?»

Os Apóstolos, simplistas como sempre, responderam: «Mestre, a multidão aperta-Vos de todos os lados e perguntais quem Vos tocou!»
Mas Jesus, sem os atender, insiste: «Alguém me tocou porque senti que uma força tinha saído de mim».

A turba percebe então que se passara algo de grave. Calam-se, recuam, cada um protesta: Não fui eu, eu não fiz nada, não Lhe toquei... E a pobre mulher a tremer, fica só e confessa: «Fui eu que Lhe toquei».

Todos Lhe tocam, todos O empurram. Ninguém é curado nem transformado. Só aquela mulher O toca cheia de fé. Sente um imenso bem-estar em todo o corpo. Está curada.

Também nós todos lemos o Evangelho. Mas se o lermos como um livro vulgar, ele não causará em nós mais do que um efeito vulgar. Importa ler o Evangelho como teríeis tocado em Cristo. com o mesmo respeito, a mesma fé, a mesma esperança.» (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"BASTA-TE A MINHA GRAÇA"


«Há uma tão incrível quantidade de luzes de graça a penetrar mesmo a alma má e perversa, que vemos salvo aquele que parecia perdido.
Mas, jamais se viu deixar-se impregnar o que era envernizado, repassar o que era impermeável, nem se viu tornar brando o que era duro...
Daqui provém as numerosas falhas que observamos na eficácia da graça que, enquanto alcança vitórias inesperadas nas almas dos grandes pecadores, com frequência fica inoperante nas pessoas de "bem".

A sua pele moral invariavelmente intacta tornou-se para eles rija como couro e couraça lisa impenetrável, sem beliscadura. Esses não apresentam aquela abertura produzida por ferida dolorosa, nem por algum inesquecível tormento, nem sequer aquela dor jamais superada, um ponto de sutura eternamente mal ajustado, a inquietação mortal, uma secreta amargura, uma ruptura inconfessável, uma cicatriz nunca fechada.

Eles nem sequer apresentam essa abertura à graça que pode ser essencialmente o pecado. Como não estão feridos, não se encontram vulneráveis. Já que não lhes falta nada, nada recebem. Como nada lhes carece, não podem receber Aquele que é Tudo. O Amor de Deus não pode curar aquele que não apresente ferimentos.» - Charles Péguy, citado por Tadeuz Dajczer, em "Meditações sofre a Fé"

Talvez na tua vida haja também algo dessa terrível ferida que não cicatriza, talvez haja um inesquecível tormento, uma dor por ultrapassar, uma angústia de morte, talvez uma amargura de morte, talvez uma amargura dissimulada - uma das muitas que o mundo proporciona - qualquer coisa que se desmoronou. Consideras, então, que tudo acabou, quando na realidade se passa o contrário. Tudo isso deve ser para ti um canal de graça. Deus permite que sofras todas essas feridas e dificuldades para que te sintas fraco e, por meio desse fraqueza, te abras à graça." - Tadeusz Dajczer, em "Meditações sobre a Fé"

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

UM AMIGO FIEL



«Acontece-nos com Jesus o mesmo que com os nossos velhos amigos, que muito estimamos mas insensivelmente perdemos de vista. Sem nada termos contra eles, sem preconceitos, deixamo-nos separar deles pelas circunstâncias. Nunca mais lhes escrevemos, não voltamos a ler as suas cartas nem folheamos albuns de recordações. Perdemos ocasiões de tornar a vê-los. Deixamo-nos assoberbar por outras ocupações, embora muito menos agradáveis e atraentes. Poderemos ainda gostar de alguém como daquele amigo? E todavia nunca pensamos nele. E agora, se porventura voltamos a pensar nele, sentimos isto de espantoso: perdemos até o desejo de tornar a vê-lo.

Precisaríamos de mudar muito, de fazer muitos esforços, de dar muitos passos, a que já não andamos habituados, para reatar com ele e recomeçar a estimá-lo.

É isto que compromete as nossas relações com Deus, o que esteriliza a nossa vida espiritual: não estarmos atentos a Ele, não desejarmos tornar a encontrá-l`O, não desejarmos vê-l`O. Ninguém vê Deus, ninguém encontra Jesus sem um desejo contínuo de O ver. (...)

Eis o que nos falta para conhecermos Deus: um imenso apetite de O ver.

O que nos falta para reconhecermos Deus é não termos guardado piedosamente no fundo do coração a lembrança de tudo o que Ele nos revelou já de Si mesmo. A fé, o amor e a esperança consistem em recordar nas trevas aquilo que vimos e sentimos e compreendemos nas horas de luz.

Deus não se inventa. É Ele que Se revela.

Não somos nós que nos damos a Deus, é Deus que se nos dá. Tudo o que Ele nos pede é que nós O recebamos. Tal como Ele é: pobre, amigo, sofrendo com as nossas indiferenças, angustiado, atento a tudo o que nos diz respeito. Procuramo-l`O e Ele diz-nos que sempre estivera ali. Pensamos conquistá-l`O... e há tanto tempo que Ele se nos deu!» (Louis Evely, em "Tu és esse homem")

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

HUMILDADE



Hoje, publico mais um excerto do livro "Como o Nascer do Sol", do meu grande amigo e discípulo de Cristo, João Eduardo Cruz. Já visitaram o seu magnífico blogue? Não gosto muito de lhe chamar blogue, mas sim o Jardim deslumbrante, encantador e luminoso de uma alma sensível, profunda, poética e comprometida com Cristo. Eis o caminho para lá: http://www.jardimdaalma.blogspot.com/
«O humilde é o que reconhece sua pequenez; que não se acha digno (Mt., 5: 3). Que se abaixa para ser elevado. Este mantém a comunhão com Deus, pois não crê na sua própria capacidade, portanto vive na total dependência do Pai. Ter humildade é ter Deus como razão de tudo, sem humildade perde-se a razão. A humildade preserva a comunhão com Deus.
A humildade requer coragem pelos seguintes motivos:
– É preciso ter humildade para amar quando todos odeiam.
– É preciso ter humildade para ser alegre quando todos estão zangados.
– É preciso ter humildade para ter paz quando todos querem guerra.
– É preciso ter humildade para não desanimar quando todos estão desistindo.
– É preciso ter humildade para “fazer o bem sem olhar a quem” quando tantos nos enganam.
– É preciso ter humildade para ser bom quando o mundo é mau.
– É preciso ter humildade para ser fiel a Deus quando todos o abandonam.
– É preciso ter humildade para ser manso quando todos te chamam de covarde.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ENTREGA-TE TOTALMENTE AO AMOR

«Acreditamos na mentira da serpente. Acreditamos que a liberdade surge do exercício da nossa autonomia. Mas a verdadeira autonomia está na escolha de nos darmos aos outros no amor. Está na entrega absoluta do nosso ego a Deus e ao reino do amor. (...)

Sem amor, a personalidade volta-se para si mesma e se escraviza. (...)

Sem amor, a força de vontade é quase sempre pouco mais que uma confusa demonstração egocêntrica do nosso carácter. Ela aponta para si mesma. Não serve aos propósitos mais altos de nos ligar aos outros e à vida. E o que não leva à vida, leva à morte. Não existe meio-termo.

Sem amor, a vontade torna-se mecânica e perde a espontaneidade.

Sem amor, a vontade torna-se racionalista e moralista.

Sem amor, a vontade substitui a imaginação por diligência.

Sem amor, a vontade torna-nos aborrecidamente previsíveis e desprovidos de vitalidade.»

(David G. Benner, em "Desejar a vontade de Deus")

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

AMOR: MOTIVAÇÃO SUPREMA

«A confiança na força de vontade bloqueia o amor até que a vontade aprenda a entregar-se ao amor...

O motivo por trás de tudo que Jesus fez foi o amor de Deus e o desejo de conhecer e fazer a vontade do seu Pai. As disciplinas espirituais de Jesus só eram significativas à luz da primazia do seu relacionamento com o Pai. Eram veículos de comunhão, ambientes de intimidade...

Para Jesus, o amor e a vontade nunca se separavam. O amor era o motivo da sua obediência a Deus (Jo 14, 31), como Ele instava para que estivesse por trás da nossa (Jo 14, 23).
Ele tinha prazer em fazer a vontade de Deus e, ao agir assim, era exemplo perfeito da maneira como a satisfação se origina da entrega ao amor perfeito. Ele era também a perfeita expressão da maneira como o amor de Deus se realiza na pessoa que deseja e faz a vontade de Deus. (1 Jo 2, 3-5).

Só o amor fortaleceu Jesus para preferir a vontade de Deus à sua, quando enfrentou a agonia da morte. É a isso a que Paulo se referia quando exortou os cristãos de Éfeso a fazer a vontade de Deus de coração (Ef 6, 6).
É provável que as disciplinas espirituais que surgem simplesmente como actos de vontade sejam egoístas e legalistas. Deus deseja acções exteriores que brotem de desejos interiores de relacionamento e intimidade; de facto, é esse o seu desejo para nós. Foi isso que o Pai encontrou no coração de Jesus. E esse é o motivo da disposição espiritual que na nossa vida encontramos em Jesus quando o seguimos e vivemos em seu Espírito

(David G. Benner, em "Desejar a vontade de Deus")

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

UMA VIDA QUE BROTA DO ESPÍRITO

«É muito perigoso quando sentimos um orgulho idólatra e presunçoso (embora muito secreto) em nossa capacidade de obstinação, resolução e autodeterminação - mesmo em coisas boas como a oração, leitura bíblica ou serviço cristão.

A vida que Jesus veio trazer é uma vida que não depende da força de vontade. Brota do Espírito de Deus e activa e transforma nosso espírito. É uma vida baseada em infusão - o Espírito de Deus infunde meu espírito; os desejos mais profundos, os anseios e os sonhos de Deus tornam-se meus. É esse o caminho - e o único caminho - para a liberdade e a satisfação de preferir a vontade de Deus à minha.» - David G. Benner, em "Desejar a vontade Deus"

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O ESSENCIAL

«Percebe-se, por experiência e por intuição que o mundo, cada vez mais sofisticado no bem-estar e no progresso das tecnologias, dá tudo aos homens menos o essencial: tempo para amar e para descer ao fundo de si mesmos a sós, até ao «centro da alma» (1) onde talvez seja possível descobrir as maravilhas de Deus. (...)

Só a experiência de Deus feita em profundidade poderá manter o cristão de hoje firme na sua fé, capaz de responder aos desafios do mundo contemporâneo e dar-lhe, ao mesmo tempo, sentido para a vida e alegria de viver. (...)

Oxalá se tome consciência do essencial e de que falta tempo para ele: amar gratuitamente, descer ao centro da alma e procurar por lá uma palavra de vida eterna que dê sentido a tudo o que se faz.» Luís Rocha e Melo, s.j., em "Se tu soubesses o dom de Deus"

(1) O «centro da alma» é expressão conhecida pelos nossos antepassados. Santa Teresa de Ávila emprega-a com frequência. Os psicólogos de hoje designam a mesma realidade por «eu profundo»; a Bíblia fala, no mesmo sentido, do «coração».

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A QUE DEUS ORAS?



«Na tribulação, quando as nuvens se adensam. Deus não acode logo para dissipar a escuridão mas dá graça suficiente - mais que suficiente - para que o homem responda na fé aos desafios de vida e aprenda a decidir-se em liberdade e amor. (...)

Se assim é, será que não vale a pena orar, pedir, acudir ao Senhor nas horas de aflição?Certamente que sim e suplicar sempre, conscientes de que o Pai sabe melhor do que nós de que é que precisamos (Mt 6, 8) e conscientes de que, no dizer de S. Paulo, não sabemos o que devemos pedir em nossas orações (Rm 8, 26). Orar e orar sempre, pedir e pedir sempre, na certeza de que Deus dá o melhor, não o que a nós parece o melhor.(...)

Dirigimos a Deus a nossa oração. Mas que Deus? Um omnipotente concebido pela sabedoria humana ou aquele que se revela em Jesus Cristo? Um poderoso que faz o que quer e lhe apetece ou um Deus que se ajoelha aos pés dos discípulos para os servir (Jo 13, 1-11)?
Um grande senhor que está sempre acima dos outros ou um servo humilde que se apaga para revelar aos homens o amor que lhes tem?
Fundamental em oração é responder à pergunta: «quem é o meu Deus?».
A resposta não está feita nem acabada, muito menos de um dia para o outro. A vida em oração, baseada no conhecimento da palavra revelada, nos levará a resposta mais clara.
Conhecer a Deus como Ele se revela na Sagrada Escritura nos levará a uma oração mais correcta sob o ponto de vista cristão; a oração mais correcta, por outro lado, nos levará a um conhecimento mais profundo do Deus revelado em Jesus Cristo.

As duas coisas em simultâneo: conhecer e compreender a Palavra como elemento de oração e fazer oração para o entender melhor; e sobretudo, deixar-se conduzir pelo Espírito Santo que Deus dá porque o Espírito «tudo penetra, até às profundidades de Deus» ( 1 Cor 2, 10).»

(Luís Rocha e Melo, em "Se tu soubesses o dom de Deus")

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

DEIXA QUE EU TE MOLDE (4ª folha)



A gravura da quarta folha não tinha um único rosto. Viam-se nela duas mãos sujas de barro e, seguro entre as mãos, um pote a ser moldado sobre um torno de oleiro. Em letras grandes um letreiro dizia: "DEIXA QUE EU TE MOLDE"
Era uma referência ao capítulo 18 do profeta Jeremias.

Pareceu-me ser esta a página mais importante do Manual de Conversão, ao imaginar que – mais eficaz que todos os nossos esforços – o que nos muda é o facto de Deus, secretamente, no torno da vida, nos tomar nas Suas mãos e nos moldar.

Fazemos esforços por sermos melhores: tentamos rezar mais, tentamos ter mais caridade, ou mais humildade, ou interiormente mais liberdade. Pedimos a Deus que nos ajude. E por vezes, atravessando-se no caminho de todos estes nossos esforços, aparece a vida: a relação íntima que nos deixa desconcertados, um comentário que alguém nos faz, uma humilhação, uma fase onde tudo se baralha. "Logo agora que eu estava conseguir ser um pouco melhor, lá vem a vida com as suas coisas..."

Pois é... E se a vida fosse precisamente a resposta de Deus aos nossos pedidos e aos nossos esforços? E se tudo aquilo que nos acontece fossem apenas oportunidades de crescimento e de liberdade queridas por Deus ou, pelo menos, por Ele consentidas?

Barro sempre seguro nas mãos firmes de um oleiro por entre as voltas da vida. Umas vezes sentimo-nos acariciados, outras apertados; umas vezes vemo-nos quase prontos, outras amassados e sem forma; em certas alturas a obra toda faz sentido, noutras torna-se bastante incompreensível.» Nuno Tovar de Lemos, s.j., em "O Princípe e a Lavadeira"

"Não te posso Eu moldar a ti, como o oleiro molda o seu barro?" (Jer 18, 5)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

É PRECISO CHORAR O DESAMOR (3ªfolha)



A terceira folha representava dois rostos numa troca de olhares. Um rosto era o de S. Pedro e chorava amarguradamente. O outro era o rosto de Cristo, que, passando e voltando-se, o olhava em silêncio. Reconheci logo aquele momento em que Jesus é trazido pelos soldados para fora de casa do sumo sacerdote e ali mesmo – no pátio – se cruza com Pedro que o acabara de negar três vezes. Sob a gravura uma legenda dizia: "É PRECISO CHORAR O DESAMOR"

Impressionou-me que Pedro não se tivesse tentado justificar. "Sabes como é, Senhor, se eu tivesse dito que Te conhecia também não ia adiantar nada, pois no fundo, se analisarmos bem a questão..." Impressionou-me que ele nem sequer se tivesse tentado desculpar. "Lamento o sucedido mas Tu sabes, Senhor, um homem não é de ferro. E Tu conheces esta minha dificuldade em situações de tensão... Já vem de pequeno, das relações com os meus pais. E a sociedade, por outro lado, também não ajuda, porque infelizmente hoje em dia..."

Naquele pátio, Pedro não se justificou nem se desculpou. Apenas olhou Cristo e chorou. Fiquei a pensar que – entre as pessoas – a grande diferença não é que uns sejam bons e outros maus mas que uns se desculpam e outros choram. Certo, também, que há lágrimas que não levam a lado nenhum, há lágrimas que são de simples remorso ou de orgulho ferido. Mas não eram estas as de Pedro. As suas lágrimas eram todas de amor, de uma pena enorme de O ter traído, de uma enorme confusão ao pensar que numa hora tinha deitado para a fogueira tudo quanto havia de mais sagrado na sua vida.

Fiquei a olhar para esta terceira folha do Manual de Conversão enquanto repetia a legenda: "É preciso chorar o desamor."

Pensei que não basta achar mal o nosso pecado, que não basta com a razão reconhecer que está mal e com a vontade decidir mudar. É preciso deixar-se revoltar contra ele ao ponto de chorar.» Nuno Tovar de Lemos, s.j., em "O Príncipe e a Lavadeira"

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

DESCE À PORTA DA TUA CASA E ABRE O COFRE (2ª folha)


Abri a segunda folha. Via-se na gravura um homem rico a distribuir dinheiro por uma multidão de pobres, à porta de sua casa. Os pobres estavam estupefactos. O homem, esse, estava visivelmente feliz.

Ele e Jesus, que à janela da casa observava a cena e dizia: "Veio hoje a salvação a esta casa!"

Percebi tratar-se de Zaqueu, o cobrador de impostos de que fala S. Lucas no capítulo 19 do evangelho. Zaqueu era judeu mas trabalhava para o inimigo, cobrava impostos para os ocupantes, os romanos. Cobrava até muito mais do que o imperador exigia, e assim enriquecera. Tirava dinheiro aos pobres para se manter nas boas graças dos poderosos, vivia às custas de uns e em função de outros. Um dia, que havia de virar para sempre a sua vida, Jesus foi a sua casa. E este encontro mudou completamente as suas relações com os outros. Decidiu restituir generosamente tudo o que tinha cobrado a mais e, quanto ao resto da sua fortuna, dar metade aos pobres. Não passou muito tempo até os ter a todos à porta de sua casa!

Era esta a cena que a gravura mostrava: Zaqueu feliz a abrir o cofre, perante os olhares ainda incrédulos da população. Sob a gravura uma legenda dizia:"DESCE À PORTA DA TUA CASA E ABRE O COFRE"

Gostei de imaginar Zaqueu tão preocupado com as pessoas que tinha à porta de casa que nem tinha tempo para se lembrar da sua própria conversão. Mas esta, no fundo, era nada mais do que a sua falta de tempo para se preocupar consigo. Antes vivia para si, à custa dos pobres e em função dos poderosos. Agora vivia simplesmente para os outros.

Fiquei a pensar que também à nossa porta Deus põe tantas pessoas! Achei mesmo que é entregando-nos a elas que acabamos por nos mudar a nós próprios. Como se, para se ser melhor, a solução não fosse pensar em quaisquer estratégias de autoconversão mas apenas abrir os olhos e tomar como missão pessoal o bem daqueles que Deus já colocou à nossa porta. "Desce à porta de tua casa e abre o teu cofre" (Nuno Tovar de Lemos, s.j. , em "O Príncipe e a Lavadeira")

domingo, 12 de outubro de 2008

SÓ O AMOR CONVERTE (1ª folha)

"Nessa noite sonhei que tinha voltado ao velho sótão e pegado naquele livro forrado a pele que ali tinha visto e cujo título logo me tinha saltado à vista: Manual de Conversão. A capa estva em bom estado mas por dentro quase todas as folhas tinham sido arrancadas, a ponto de não restar um único parágrafo. Sobravam apenas quatro folhas. Em cada uma delas havia apenas uma gravura e uma legenda." - Nuno Tovar de Lemos s.j., em "O Príncipe e a Lavadeira"

É esse tesouro encontrado no velho sótão que vou partilhar convosco nos próximos dias. Esse Manual de Conversão que é uma resposta a uma questão fundamental: Como é que se faz para se ser melhor?

Preparem-se para uma viagem fantástica e revolucionária. Se se deixarem envolver e aderirem de espírito e coração abertos, é algo que pode mudar alguns paradigmas e crenças.



«Abri a primeira folha. A legenda dizia assim: "SÓ O AMOR CONVERTE"
Na gravura via-se Jesus à mesa, numa casa respeitável e – em primeiro plano – uma mulher cheia de colares e pulseiras. Tinha os cabelos despenteados e beijava demoradamente os pés do Senhor. A gravura retratava uma cena que S. Lucas descreve no capítulo 7 do seu evangelho.

Jesus tinha sido convidado para um jantar de gente piedosa, em casa do fariseu Simão. Inesperadamente, a meio do jantar, a porta abre-se e entra aquela mulher de perfume barato que todos bem conheciam da rua. Entra a chorar. Aproxima-se de Jesus, beija-lhe os pés, unge-os com perfume, lava-os com as suas lágrimas. Todos se indignam: "Como se atreve uma mulher desta espécie...?" Jesus não. Deixa-se tocar, não esconde o pé, deixa-se beijar. Não faz censuras, não dá lições de moral. No fim diz-lhe: "Vai em paz." Poder-lhe-ia ter dito "não voltes a pecar" mas nem era preciso. Bastou-lhe dizer "Os teus pecados estão perdoados. Vai em paz." Ela foi-se em paz, mudada.

Tocou-me o facto de que aquela noite tenha mudado por completo a vida desta mulher, enquanto que Simão, depois daquela noite, ficou apenas ainda mais igual a si próprio. Porque é que um mudou e o outro não? Também Simão esteve com o Senhor. Esteve até mais tempo. Foi até ele que O convidou para jantar!
Pensei que a razão era bastante simples. A mulher amou, ele defendeu-se do amor. A mulher aproximou-se de Jesus com uma enorme sede de amar e ser amada. Simão aproximou-se de Jesus para ter umas conversas interessantes e respeitáveis.
Ele e os seus amigos estavam realmente interessados na pessoa de Jesus, mas no fundo estavam agarrados às suas seguranças, ao seu estatuto social, à respeitabilidade da imagem que tinham criado para si próprios. Ela já não tinha nada a perder. Nem estatuto social, nem respeitabilidade, nem imagem de si própria.
Simão esperava de Jesus uma noite bem passada. Ela esperava de Jesus um momento de amor a partir do qual pudesse reconstruir a sua vida toda. Ela mudou, ele não.

Espanta que Jesus, o Salvador, não tenha aproveitado a oportunidade para recordar àquela mulher alguns princípios básicos de bons costumes. Estou convencido de que não o fez por uma razão muito simples: depois de sabidas todas as teorias, a única coisa que, de fundo, nos faz mudar é o amor.

"Só o amor converte", dizia a legenda, o amor dos outros e sobretudo o amor infinito e incondicional de Deus. Cair do alto das nossas seguranças e das nossas defesas para amar e se deixar amar, este é o maior segredo da mudança. » Nuno Tovar de Lemos, s.j. , em "O Príncipe e a Lavadeira"

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

ENCONTRAR A ALEGRIA (2ª PARTE)

«Pode parecer estranho dizer que a alegria é o resultado das nossas escolhas. Com frequência imaginamos que algumas pessoas têm mais sorte do que outras e que a sua alegria ou tristeza dependem das circunstâncias da sua vida - sobre a qual não têm controlo.
No entanto, temos uma hipótese de escolha, não tanto em relação às circunstâncias da nossa vida, quanto em relação à maneira como reagimos a essas circunstâncias. (...)

É importante darmo-nos conta de que em cada momento da nossa vida temos a oportunidade de escolher a alegria. A vida tem muitas facetas. Há sempre facetas tristes e alegres na realidade que vivemos. E, por isso, temos sempre a possibilidade de viver o momento presente, como causa de ressentimento ou como causa de alegria. É na escolha que reside a nossa verdadeira liberdade. E esta liberdade, em última análise, é a liberdade de amar.

É capaz de ser uma boa ideia perguntarmos a nós mesmos como é que desenvolvemos a nossa capacidade de optar pela alegria. Talvez possamos reservar alguns momentos no final do nosso dia, para ver como é que o passámos - seja o que for que tenha acontecido - e agradecer a oportunidade de o ter vivido. Se assim o fizermos, aumentaremos a capacidade do nosso coração para optar pela alegria. E, ao construirmos um coração mais alegre, tornar-nos-emos, sem nenhum esforço extraordinário, fonte de alegria para os outros. Assim como a tristeza origina tristeza, assim a alegria origina alegria.» - Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

terça-feira, 7 de outubro de 2008

ENCONTRAR A ALEGRIA

«Jesus revela-nos o amor de Deus para que a sua alegria seja a nossa e para que a nossa alegria seja completa. A alegria é a experiência de saber que somos amados incondicionalmente e que nada - doenças, falhanços, quebras emocionais, opressão, guerras ou mesmo a morte - pode privar-nos desse amor.(...)

É frequente descobrirmos a alegria no meio da tristeza. Eu recordo os tempos mais tristes da minha vida como sendo oportunidades em que tomei maior consciência de alguma realidade espiritual muito maior que eu próprio, uma realidade que me permitiu viver a dor com esperança. Atrevo-me mesmo a dizer: «A minha angústia foi precisamente o lugar onde encontrei a alegria». Seja como for, nada acontece automaticamente na vida espiritual. A alegria não é algo que acontece assim sem mais nem menos. Temos de escolher a alegria e continuar a escolhê-la todos os dias. É uma escolha baseada no conhecimento de que encontramos em Deus o nosso refúgio e segurança e de que nada, nem sequer a morte, nos pode separar de Deus.» - Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

domingo, 5 de outubro de 2008

DEUS AMA-TE

"Deus ama-te apaixonadamente, tal como és. (...)
O Senhor é um Deus apaixonado por ti.
Deus é amor e não pode, não sabe, não é capaz de fazer outra coisa
senão amar-te,
gostar de ti,
querer-te bem. (...)

O Senhor ama-te porque Ele é bom,
porque é amor.
Não está à espera que tu sejas anjo ou santo para te amar.
Ele sabe que és barro, que és frágil e por isso te ama,
te quer bem.
Não duvides deste amor e abre-te a Ele. (...)

Recorda o que o Senhor disse a Catarina de Sena:
«faz-te receptiva e Eu serei torrencial».
Aprende a ser receptivo,
aprende a ter um coração pobre, despojado e humilde,
e o Senhor será, em ti, torrencial,
encher-te-á, mais e sempre mais, do seu amor. (...)

Deixa Deus ser Deus,
deixa Deus amar-te, abraçar-te, beijar-te,
acariciar-te como faz o Pai do pródigo.
Não fujas, não recues, não te afastes,
não coloques obstáculos.
Deixa-te amar por Deus. (...)

Antes de pensares nos teus pecados,
contempla o amor que Deus tem por ti,
antes de olhares as tuas misérias,
descobre a ternura amorosa do teu Deus. (...)

Convence-te, cada dia sempre mais,
que Ele não é capaz de deixar de te amar. »
Dário Pedroso, s.j. , em "Sinfonias do Amor" (adaptado)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

TODOS TÊM NECESSIDADE DE TI

«Todos têm necessidade de Ti (Senhor), mesmo os que Te ignoram;
bem mais os que o ignoram do que os que o sabem.
O faminto julga andar em procura do pão e tem fome de ti;
o sedento imagina que quer água e tem sede de Ti;
o doente tem a ilusão de desejar a saúde e o seu mal é a tua ausência.
Quem neste mundo procura o belo,
procura-te a Ti, sem o saber, a Ti que és a beleza íntegra e perfeita;
o que nos seus pensamentos persegue o verdadeiro,
busca-te a Ti que és a única verdade digna de ser conhecida;
e o que estende os braços para a paz,
levanta-os em direcção a Ti que és a única paz onde podem repousar os corações.
Eles chamam Ti sem saber que te chamam
e o seu grito é indizivelmente mais doloroso que o nosso.»

(G. Papini, em "História de Cristo")

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

DESPOJAR-SE (2ª Parte)

«O único «deus» que pode disputar com Deus o Seu reinado sobre o coração do homem é o próprio homem (entendo-se por homem o «homem velho» enroscado sobre si mesmo, com as suas loucas ânsias de se apropriar de tudo e de exigir toda a honra e toda a adoração).

No fundo, ocorre um mistério trágico: o nosso «eu» tende a converter-se em «deus». Isto é: o nosso «eu» reclama e exige culto, amor, admiração, dedicação e adoração a todos os níveis, que só a Deus são devidos.(...)
Quando o interior do homem está liberto de interesses, propriedades e desejos, Deus pode estar nele sem dificuldade. Ao contrário, na medida em que o nosso interior está ocupado pelo egoísmo, não há já lugar para Deus. É um território ocupado.

Assim chegamos a compreender que o primeiro mandamento é idêntico à primeira bem-aventurança: quanto mais pobres, desprendidos e desinteressados somos, «mais» Deus é Deus em nós. Quanto mais somos «deus» para nós mesmos, «menos» Deus é Deus em nós. O plano está, pois, muito claro: «importa que Ele cresça e «eu» diminua» (Jo. 3, 30).» (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

DESPOJAR-SE


«Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus!» (Mt. 5,3)

«À medida que o homem se vai fazendo pobre, despojando-se de toda a apropriação interior e exterior, e isto feito em função de Deus, automática e simultaneamente começa o Santo Reino de Deus a desenvolver-se no seu interior.
Se Jesus disse que o primeiro mandamento contém e esgota toda a escritura (Mt 22, 40), nós podemos acrescentar paralelamente que a primeira bem-aventurança contém e esgota todo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A libertação caminha, pois, pelo caminho da pobreza. O Reino é como um eixo extraordinariamente simples que atravessa toda a Bíblia movendo-se sobre dois pontos de apoio: o primeiro mandamento e a primeira bem-aventurança (Ignacio Larrañaga, em "Mostra-me o Teu Rosto")

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

NO SEIO DE DEUS


"Entrar no seio de Deus" é uma expressão que se encontra na Bíblia.
A Bíblia é um livro que a maior parte das pessoas não lê, tão espesso que parece uma floresta abandonada, invadida pelo mato e percorrida por animais selvagens que vivem longe do olhar dos homens.
Achei durante muito tempo que esta expressão era apenas uma liberdade poética, projectando uma bela luz, uma entre milhares que encontramos na Bíblia e nas florestas ao abandono.
Só esta manhã, ao ver os pardais mergulhar às dezenas na folhagem perfumada da tília, percebi por fim o que era o seio de Deus e que delícia podia ser entrar nele um dia." - (Christian Bobin, em "Ressuscitar")

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

AMIGO DO POBRE


«O segredo de Jesus, é o de encontrar na humildade e na pequenez os mais pequenos
para criar com eles comunidades de esperança,
comunidades do Reino. (...)

Não procures a companhia dos poderosos,
mas desce os degraus
para encontrar os mais pobres,
não sobretudo para fazer algo por eles
nem para ter o orgulho de ter feito algo de bom,
mas simplesmente para os encontrares,
para entrares em comunhão com eles,
para te ligares a eles pela amizade.

Eis o segredo: se te tornares amigo do pobre,
serás abençoado por Deus.
Descobrirás algo de inteiramente novo,
descobrirás que o Evangelho é realmente uma boa-nova,
que é uma solução para as feridas da humanidade,
uma resposta para acabar com toda essa história de guerra
e violência entre os homens,
essa luta fraticida em que Caim mata Abel,
em que cada um se esforça por manter o seu irmão ao fundo
dos degraus para se sentir superior,
emparedado pelo medo de ser desalojado por outro mais forte.

Assim, Jesus diz-nos:
"Pára de ter medo;
pára de te proteger,
de te defender,
de te justificar,
de te fechar no círculo estreito daqueles que são como tu.
Aceita as diferenças:
cada um no seu lugar mas em conjunto é que tem que se viver.
Desce os degraus para te tornares amigo do pobre
e amigo de Deus".»
(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

domingo, 21 de setembro de 2008

HENRI NOUWEN

Henri Nouwen (24 de Janeiro de 1932 - 21 de Setembro de1996)


Passam hoje 12 anos sobre a morte de Henri Nouwen. Recentemente, tive o privilégio de ler uma biografia dele: "O Profeta Ferido - Um retrato de Henri J. M. Nouwen" - Michael Ford.

Fiquei a conhecer um pouco melhor um dos meus autores espirituais predilectos. Os livros de Henri Nouwen são para mim um tesouro espiritual inestimável, que costumo partilhar convosco através de algumas passagens e alguns trechos seleccionados dos livros que vou lendo.

Hoje, escolhi algumas passagens da biografia que li recentemente; mais concretamente passagens alusivas ao aniversário da sua morte.

No seu elogio fúnebre, Jean Vanier, disse:


"Por vezes, eu senti em Henri o coração ferido de Cristo, a angústia de Cristo. De facto, Deus não é um Deus seguro, lá no céu, que diz a toda a gente o que deve fazer, mas um Deus angustiado e sedento de amor; um Deus que não é compreendido, um Deus que tem sido rotulado pelas pessoas. O nosso Deus é um amante, um amante ferido. É este o mistério de Cristo, o amante ferido. E Henri também o é - esteja ele onde estiver - um amante ferido, sedento de amor, sedento de anunciar o amor.(...)
Muitas pessoas hão-de chorar porque havia qualquer coisa de profético em Henri. Ele aceitava a dor, optava por caminhar através da dor, pois é esse o caminho de todos nós. Escolher a cruz, caminhar através da cruz, pois nunca descobriremos a ressurreição, a menos que caminhemos através da cruz, a menos que, algures, nos deixemos despojar."

Sue Mosteller prestou-lhe a seguinte homenagem:


«Basta-nos olhar à nossa volta, nesta igreja, para ver como ele estendeu pontes entre nós, estabelecendo a união: ricos e pobres (...), de ambientes, culturas e confissões religiosas diferentes. Henri congregou-nos a todos. Cada um de nós o conheceu e o escutou, e todos dissemos: «É bom. Dá-nos mais.» Lemos os seus livros e dissemos: «É bom, dá-nos mais.» Agora ele deixou-nos e chegou a hora de assumirmos a responsabilidade da espiritualidade que nos legou.(...) Henri foi enviado a transmitir-nos: não tenhais medo da vossa dor, optai por amar quando as relações são difíceis, optai por acreditar quando a esperança fraqueja, ajudai-vos uns aos outros, ultrapassai os sentimentos de amargura e ressentimento para entrar em união uns com os outros, perdoai-vos uns aos outros do fundo do coração, porque Deus está perto e chama «Amado» a cada um de nós. Esta chamada a sair da nossa adolescência espiritual é o legado de Henri.»
(Michael Ford in "O Profeta Ferido - um retrato de Henri J. M. Nouwen")

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

DEUS NUNCA SE DECEPCIONA

«Somos moldados por todas as graças que recebemos, por todas as graças que recusámos,
por todos os gestos de amor e todos os gestos de ódio ou de indiferença,
pelos nossos fracassos e os nossos êxitos;
tudo, literalmente tudo se inscreve na nossa carne.


Assim, a experiência do amor de Deus por nós,
experiência que fazemos um dia (...),
não muda a nossa história nem o que nos moldou,
mas muda-nos porque nos revela que Deus nos ama,
tal como somos,
não tais como gostaríamos de ser,
não tais como a sociedade ou os nosso pais gostariam que fôssemos,
mas tais como somos hoje, com as nossas fragilidades, as nossas feridas,
os nosso medos, as nossas qualidades e os nosso defeitos.

Tais como somos hoje, somos amados por Deus.


E, se temos a impressão de que constantemente decepcionamos os outros,
que somos incapazes de corresponder às suas expectativas,
à sua confiança, às esperanças que depositaram em nós;
se temos o sentimento de que há uma distância
entre o que parecemos ser e o que somos na realidade,
entre aquilo que os outros pensam que somos capazes de fazer e o que podemos fazer de facto, então é preciso que saibamos que a Ele, o nosso Deus, jamais O decepcionaremos.


Ele conhece-nos exactamente.
Conhece o estranho mundo de trevas e luz que nos habita,
conhece melhor que nós esta mistura misteriosa que somos,
sabe aquilo de que somos capazes.
Os outros podem ser decepcionados por nós porque formam sonhos a nosso respeito
e nos projectam no ideal;
Deus nunca Se decepciona, porque aquele que ama, é aquele que eu sou hoje;
Deus não vive no futuro nem no passado mas sim no presente.
Ele "é" o presente e vê-me na minha realidade presente.»

(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

PORTA DE ESPERANÇA


"O vale de Acor é um vale perto de Jericó,
feito de desfiladeiros perigosos, cheios de serpentes, de escorpiões,
de enormes aranhas e de animais selvagens,
o lugar do medo onde se evitava penetrar,
o lugar de que todos se afastavam, que todos evitavam.
Ora Deus diz que este vale da infelicidade
pode tornar-se uma porta de esperança.
É muito misterioso e cheio de promessas.

Em cada de um de nós há um vale de Acor,
coisas em nós que não queremos olhar,
de que não queremos lembrar-nos nem aproximar-nos, coisas que contornamos,
de que nos afastamos porque nos fazem sofrer e todos nós temos medo do sofrimento.

Há pessoas, também, que não queremos ver,
que evitamos porque nos incomodam;
são demasiado diferentes,
demasiado sofredoras e o seu sofrimento causa-nos medo.

Ora Deus diz: se penetrares nesse lugar que procuras evitar,
ele tornar-se-á uma "porta de esperança".

Se te aproximares daqueles que são rejeitados,
que são evitados, que são excluídos,
que são esmagados ou que são escondidos em asilos e instituições,
porque incomodam e se tem vergonha deles,
então, descobrirás que eles são "porta de esperança".

Da mesma forma, se em ti te aproximas do que te faz sofrer ou te causa medo,
dos bloqueios, das durezas, das resistências,
das coisas de que tens vergonha ou que não queres ver,
se ousares penetrar Comigo no teu vale de Acor pessoal, diz o Senhor,
então isso tornar-se-á "porta de esperança".

Sós, não encontraremos o caminho.
É com Jesus que devemos avançar,
mão na mão.»

(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O GRANDE SEGREDO


Respondeu-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu é que lhe pedirias e ele havia de dar-te água viva!»
Disse-lhe a mulher: «Senhor, tu não tens com que tirá-la, e o poço é fundo; donde, pois, tens essa água viva? És tu, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual também ele mesmo bebeu, e os filhos, e o seu gado?
Replicou-lhe Jesus: Todo o que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der há-de tornar-se nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna.» (João 4, 10-14)


"Quande se ama alguém, dá-se-lhe a vida,
dá-se-lhe confiança em si próprio,
mostra-se-lhe como é belo,
revela-se-lhe o poder do amor que está nele
e a sua capacidade para dar a vida.

Dizendo a essa mulher da Samaria que nela a água que Ele, Jesus, lhe ia dar
se tornaria nela "nascente de água jorrando para a vida eterna",
Jesus revela-lhe que há nela um poço,
uma nascente, uma fonte divina.

Nós não sabemos que há em nós essa nascente.
Sabemos que temos uma inteligência,
sabemos que podemos produzir coisas,
sabemos que temos emoções, desejos, pulsões,
mas ignoramos que há em nós
um poço de ternura,
uma fonte que pode dar a vida,
uma nascente que pode comunicar o próprio amor de Deus.

Jesus revela à samaritana este mistério que está nela:
ela é capaz de amar, pode tornar-se um poço, uma nascente de vida eterna
se matar a sede na nascente que é Jesus.

É o grande segredo para cada um de nós:
se bebemos na nascente que é Jesus,
podemos tornar-nos fonte de ternura que dá vida ao mundo
e corresponder ao desejo de Jesus de que sejamos fecundos e produzamos muito fruto."

(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

DEIXAR DEUS SER DEUS

"Pecar é recusar deixar Deus ser Deus.

Arrepender-se é deixar que Deus seja Deus na nossa vida.
A primeira mensagem de Cristo é "arrependei-vos e acreditai na Boa Nova". "Arrependei-vos" quer dizer, "voltai-vos para Mim e tomai consciência do Meu amor para convosco"
Reconhecer que somos pecadores e arrepender-nos é um processo contínuo que dura a vida inteira. Antes da morte não podemos atingir um estágio em que já não precisemos de arrependimento, porque há níveis sobre níveis de consciência dentro de nós, e a cada momento da nossa existência podem revelar-se esses níveis se o permitirmos, e mostrar-nos a profundidade da tendência que há em nós para recusarmos que Deus seja Deus.

Deus é paciente, vai-nos revelando gradualmente o pecado que há em nós. Parece não se preocupar com os nossos erros passados, embora os seus efeitos ainda nos possam causar sofrimento a nós e aos outros. "Embora os vossos pecados sejam como o escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve" (Is 1, 18). O que Lhe importa é a direcção que levamos na vida. Se nos voltarmos para Ele - não importa que estejamos longe - Ele aproxima-se para nos receber.

O verdadeiro pecado está em recusar, ou em ter medo de me voltar para Ele, seja porque estou contente com aquilo que sou, seja porque julgo que devo primeiro pôr as minhas coisas em ordem, antes de me virar para Ele. » (George W. Hughes, em "O Deus das supresas")

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O VERDADEIRO PECADO

"É muito importante compreender o que é o pecado.
O pecado não é, em primeiro lugar, transgressão da lei.
É isso mas não em primeiro lugar.
Toda a Sagrada Escritura, e em especial os Evangelhos e as epístolas de São Paulo
dizem-no muito claramente.

Pecar é virar as costas a Jesus, deixar de ter confiança n´Ele,
não acreditar nas suas promessas e na sua palavra,
duvidar da sua aliança
e não continuar a alimentar-se da sua presença.
Pecar é desligarmo-nos da vida de Jesus,
deixar de viver em comunhão com Ele,
recusar o seu corpo e o seu sangue,
rejeitar a sua palavra.

É evidente que se vai então transgredir a lei,
transgredir todas as leis."

(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

domingo, 7 de setembro de 2008

Vivos em Jesus

«Para vivermos do Evangelho.
para amarmos os nossos inimigos,
para estarmos próximos dos pobres,
para sermos fiéis no sacramento do matrimónio,
para vivermos com amor,
é preciso estarmos vivos
e só podemos estar vivos se estamos em comunhão com Aquele
que é a própria Vida.


Quando Jesus diz à mulher apanhada em flagrante adultério: "Vai e não tornes a pecar",
diz de facto: "Vai e não Me deixes mais. Permanece no meu amor.
Aceita viver.
Alimenta-te da minha presença, alimenta-te do meu amor, do meu corpo e do meu sangue.
Escolhe o que é bom para ti e te faz viver".


É verdade, é preciso estar atento: há alimentos envenenados,
falsos amigos, maus filmes, maus livros,
formas de viver que pouco a pouco, se não tivermos cuidado,
podem afastar-nos de Jesus e destruir-nos.


É preciso estarmos atentos, pois, de facto,
se não somos seres que estão vivos, seres que estão de pé,
transgredimos a lei.
Se estivermos mortos,
se nos separarmos da fonte da vida,
não transmitiremos aos outros senão a morte.


Então, aprendamos a alimentar-nos bem:
da Palavra de Deus,
do Corpo de Jesus,
da oração
e desse misterioso sacramento da presença de Jesus no pobre

(Jean Vanier, em "A Fonte das Lágrimas")

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO

“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Bet...