sexta-feira, 30 de outubro de 2020

"A PARTIR DE AGORA TUDO SERÁ DIFERENTE!"


«Houve uma altura na minha vida, já nem me lembro bem quando, em que comprei uma bicicleta de dois lugares.

Era linda… À frente um guiador fantástico, os travões, uma campainha, as mudanças… Uns pedais que se ajustavam na perfeição ao pé e uns rolamentos que pareciam manteiga… Atrás, uma outra espécie de guiador, mas que não “guiava”, claro, nem tinha travões, nem mudanças nem campainha. Era apenas um apoio para as mãos de quem fosse atrás. Mas tinha uns pedais e uns rolamentos iguais…

Montei-me nela e comecei a pedalar contente com a novidade da minha bicicleta. Passei pelo lugar do costume e encontrei-me com o amigo que me tinha feito comprá-la. Parei, pus o pé no chão e dei um “trim-trim” valente. Logo ele apareceu à janela, desviando a cortina com a mão, e riu-se de alegria e espanto com a minha surpresa.

Saiu, abraçámo-nos e disse-lhe: “Senta-te aí atrás! Esse lugar é para ti. A partir de agora pedalamos sempre juntos!”

Ele, de mochila às costas, como quem estava disposto a nunca mais me deixar, sentou-se no banco livre da minha bicicleta num pulo.

“A partir de agora tudo será diferente!”, foi o que eu disse, confiante e triunfante, ao mesmo tempo que dava a primeira pedalada e tirava o pé do chão.
Dirigi-me aos caminhos por onde costumava andar antes e mostrei-os todos a Jesus, montado no banco de trás da minha bicicleta.

Sentia que ele estava encantado com os caminhos por onde andávamos, “os meus caminhos”, assim lhes chamava eu, e sorria a cada novidade. Mas, ao mesmo tempo, parecia que “os meus caminhos” não eram novos para ele, como quem também já os tivesse percorrido…

As minhas mãos manejavam o guiador e conduziam-nos por todos os atalhos que eu conhecia bem desde a infância, caminhos que percorrera sozinho na minha bicicleta antiga mais de mil vezes! Pedalávamos contentes, ao mesmo tempo, e sentíamo-nos verdadeiramente felizes!

De repente, serpenteando pelos “meus caminhos”, Jesus começou a largar uma das mãos do seu suporte atrás de mim para me apontar veredas e ruelas que eu nunca tinha visto que estavam lá… Primeiro uma, depois outra… Ia-me apontando caminhos novos dentro dos “meus caminhos” que eu nunca reconhecera…

Andámos nisto muito tempo…
Entre a surpresa e a alegria, andámos nisto muito tempo…

E houve uma altura na nossa vida, já nem me lembro bem quando, em que ele pediu que parássemos.

Perguntei-lhe se estava cansado, e ele disse que não. Enquanto pedalávamos, por uns momentos mais devagar, ele disse-me por cima do ombro que era bom pararmos um bocado para pensarmos juntos onde havíamos de ir a seguir.

Sorri-lhe… Seria mesmo preciso?! Olhei para trás de relance e vi no seu rosto que sim. Tínhamos aprendido a conhecer-nos, e percebi que ele tinha coisas escondidas para me dizer…

Percebi depois. Queria dizer-me que havia mais caminhos para além dos “meus caminhos”.

Parámos à sombra de uma árvore, numa planalto já muito sereno e verde, e fechámos ambos um pouco os olhos, como que limitando-nos a respirar fundo. Quando, passado um pouco, lhe disse “Vamos continuar!”, fez-me um pedido inesperado: “Deixa-me ir à frente!”

Aquele “Deixa-me ir à frente” ecoou dentro de mim durante uma eternidade… Não era aquilo que eu tinha projectado quando comprei a bicicleta de dois lugares… Era suposto ser eu a ter nas mãos o guiador…

“Porquê?!”, perguntei-lhe eu… E ele sorriu e ficou só a olhar-me. Nos seus olhos vi reflectida num instante a História de Amizade que já tínhamos construído. Nunca me dera motivos para não confiar nele…

Meio a medo, mas com um entusiasmo diferente do primeiro, lá me sentei no banco de trás da minha bicicleta…
Ele sentou-se à frente, pôs o pé no pedal e, antes de arrancar, olhou para trás, piscou o olho e repetiu o que eu tinha dito na nossa primeira partida: “A partir de agora tudo será diferente!”

Fui a lugares que nem imaginava que pudessem existir, conduziu-me de bicicleta a topos de montanhas que eu achava impossível alcançar e de lá nos fez descer serenos sem nos perdermos nem magoarmos… Fez-me sentir cheiros que nenhuma palavra pode descrever e abriu-me os olhos para um mundo novo ao qual “os meus caminhos” ainda não davam acesso…

O medo e a desconfiança do princípio, debaixo da árvore, desapareceram com a experiência de liberdade e verdade profundas que ele me fazia saborear. Uma vez, enquanto atravessávamos uma enorme planície, perguntei-lhe por cima do ombro por onde andávamos. Fez um silêncio matreiro de suspense e respondeu-me: “Estes são os meus caminhos”!

Ri-me à gargalhada e, a meio do meu riso, disse: “Mas agora podes chamá-los também de teus”…

Aconteceram já tantas coisas desde que eu comprei a bicicleta nova e depois ele me pediu que o deixasse guiar… Nem com uma noite inteira de palavras contaria o que vivemos juntos. Além disso, as palavras ficam sempre tão pobres quando chega a altura de contar histórias destas…
Já lá vão uns anos, e continuo no banco de trás da minha bicicleta de dois lugares. Demorou mas percebi que era este o meu lugar! Nunca me senti tão feliz…

Quando, pelos dedos apontados de Jesus por cima do meu ombro, os “meus caminhos” foram dar “aos caminhos dele”, tudo começou a fazer sentido de uma maneira nova e profundamente plenificante.

De vez em quando eu ponho-me a olhar para trás ou para os lados com olhar vazio… Então, ele olha de relance para mim e, ao ver-me assim, dá um “trim-trim” valente para eu perceber para onde vamos. E o “vazio” desaparece… E o “lá atrás” torna-se longe e pequeno demais para que valha a pena lá voltar…

Um dia contei-lhe estas coisas todas e ele disse-me que se chamavam “Confiança”. E eu acreditei… Porque ele nunca me deu motivos para eu não acreditar...»

Rui Santiago cssr


 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

APRENDER A VIVER DE JESUS

 


"A vida de um cristão começa a mudar no dia em que ele descobre que Jesus é alguém que o pode ensinar a viver. Os relatos evangélicos nunca se cansam de apresentar Jesus como Mestre. Alguém que pode ensinar uma "sabedoria única". Essa sabedoria que tanto surpreende os seus vizinhos de Nazaré.

De facto, os primeiros que se encontraram com ele foram chamados "discípulos", alunos, ou seja, homens e mulheres dispostos a aprender com o seu Mestre Jesus.
Nós, cristãos de hoje, temos de nos perguntar se não esquecemos que ser cristãos é simplesmente "viver aprendendo " de Jesus. Ir descobrindo com ele qual é a forma mais humana, mais autêntica e mais feliz de enfrentarmos a vida.

Quantos esforços não são feitos hoje em dia para aprender como ter sucesso na vida: métodos para obter sucesso no trabalho profissional, técnicas para conquistar amigos, artes para sermos bem-sucedidos nas relações sociais. Mas onde podemos aprender a ser simplesmente humanos?

São bastantes os cristãos para quem Jesus não é de modo algum o inspirador da sua vida. Não conseguem ver que relação possa existir entre Jesus e a sua vida quotidiana. Jesus tornou-se uma personagem que eles pensam conhecer desde a infância, quando na realidade ele permanece para muitos o "grande desconhecido".

Um Jesus sem consistência real, incapaz de alegrar a sua existência quotidiana. E, no entanto, esse Jesus melhor conhecido e mais fielmente seguido, poderia transformar as nossas vidas. Não como o mestre distante que deixou um legado de sabedoria admirável à humanidade, mas como alguém vivo que, das profundezas do nosso ser, nos acompanha com paciência, compreensão e ternura.

Ele pode ser o nosso Mestre de vida. Pode ensinar-nos a viver, não para manipular os outros, mas para servir. Pode mostrar-nos que é melhor viver dando do que acumulando. Ouvindo a sua mensagem e seguindo os seus passos, podemos aprender a viver de uma forma mais solidária e menos egoísta, a arriscarmos mais por tudo o que é bom e justo, a amar as pessoas como ele as amava, a confiar no Pai como ele confiava."

José Antonio Pagola, in “O Caminho Aberto por Jesus – Marcos”

sábado, 24 de outubro de 2020

O QUE É QUE JESUS FARIA, AQUI E AGORA?


"A mais radical atitude de Fé em Jesus é segui-lo, tornar-se seu discípulo. Mais do que acreditar no que ele diz e se diz dele, é acreditá-lo com a própria vida e com o próprio seguimento."

Rui Santiago cssr
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"Imitar Jesus Cristo é uma opção de vida que exige um grande dinamismo. Supõe identificar-se com os critérios de Jesus e entrar no jeito de viver de Jesus, mas como pessoas do nosso tempo. Só conseguiremos ser verdadeiros imitadores de Jesus de Nazaré se formos pessoas livres e criativas.

Além disso exige uma grande atenção à Palavra de Deus e ao Espírito Santo que nos interpela no mais íntimo do nosso coração.

A fidelidade só é madura quando é criativa. Imitar Jesus é perguntar diante de cada situação: “O que é que Jesus faria, aqui e agora?” Esta pergunta só pode funcionar dentro de nós se formos pessoas fieis aos encontros com ele, assíduos no diálogo com Jesus e na meditação da Palavra de Deus. Se não existir em nós esse ritmo espiritual, as respostas que encontrarmos vão ser unicamente fruto da nossa imaginação ou projecções pessoais.

Para perguntarmos seriamente “O que é que Jesus faria, aqui e agora?” temos de prezar a convivência com Jesus e alimentar o fascínio por ele. Na verdade, nada nos assemelha mais a alguém do que a convivência com essa pessoa, e nada nos transforma mais que o fascínio por alguém.

Imitar Jesus Cristo não é uma questão teórica de adesão a doutrinas ou sistemas morais. Bem mais sério que tudo isso, implica uma opção de vida nova, pois não podemos ser fieis às interpelações do Espírito Santo se não estivermos disponíveis para acolher a novidade de Deus com as mudanças que isso implica.

Passar a viver pelo guião da vida de outro, esse tal Nazareno que anunciou um Deus que Reina, e viveu como súbdito tão fiel desse Reinado e filho tão amado desse Deus!

Se nos deixarmos conduzir pelo Espírito de Cristo, começamos a tomar uma série de atitudes que, sem serem uma cópia das de Jesus quanto ao modo, são idênticas às de Jesus quanto à dinâmica do amor libertador.

A imitação de Cristo, exercitada em cada dia da nossa vida, conduz-nos a uma grande maturidade cristã, o que implica uma profunda experiência da presença de Deus.

Imitar Jesus é caminhar no sentido de uma experiência de tipo familiar, tanto em relação a Deus como em relação às outras pessoas. O caminho da imitação de Cristo conduz-nos ao encontro de um homem cujo coração é o ponto de encontro da Humanidade com a Divindade, quer dizer, alguém em quem se exprime o melhor de Deus e o melhor do Homem."

Calmeiro Matias & Rui Santiago cssr


 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Temer a Alegria é temer a Liberdade

 


"Temer a Alegria é temer a Liberdade. Toda a solenidade ritual de quem tem medo que a Alegria venha descompor toda a coreografia da religião, manifesta uma atitude de escravo contrária à Fé Filial que nos foi oferecida.

Quando vivemos mais atados pelas doutrinas
do que soltos pelo Evangelho,
mais cautelosos sob os mandamentos
do que pioneiros das Bem Aventuranças,
mais carregados com a disciplina da lei
do que leves com a ternura do Espírito,
mostramos que somos mais órfãos do que filhos,
mais “escravos dos elementos deste mundo”
do que membros ressuscitados do Corpo de Cristo!"

Rui Santiago cssr, in Estou em Crer, 2014




sábado, 17 de outubro de 2020

A PARTILHA É O SEGREDO DA ABUNDÂNCIA

 



Pai de Jesus e Pai Nosso:
com a delicadeza do Teu Espírito e a pontaria da Tua Palavra,
converte-me o coração à partilha.
Cura-me do medo de me dar.
Só quem se dá não se perde!

Rui Santiago cssr
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«O Evangelho não é para acomodados ou para aqueles que tem medo de fazer a travessia; o Evangelho é para fazer estrada, viver em atitude de saída. Sair dos lugares conhecidos, rotineiros, estreitos e abrir-nos às surpresas dos lugares novos.

Não basta ver a fome nas fotos, embora as fotos costumam “doer”. O importante é ver os rostos famintos. Jesus não é daqueles que, quando passa junto ao faminto, baixa os olhos para não ver. Jesus “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão”.

Jesus é daqueles que, quando descobre que a multidão tem fome, busca respostas, busca soluções. “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”

A solução de Felipe é aquela que a maioria tem às mãos: só vê a dificuldade e, inclusive, a impossibilidade de encontrar uma saída para a situação. Ele recorda que o grupo não tem dinheiro. Entre os discípulos, todos são pobres: não podem comprar pão para tantos.

Jesus sabe disso. Os que têm dinheiro não resolverão nunca o problema da fome no mundo.

A dinâmica do mundo neoliberal é precisamente o dinheiro. Cremos que sem dinheiro nada se pode fazer e procuramos converter tudo em dinheiro, não só os recursos naturais, mas também os recursos humanos e os valores: o amor, a amizade, o serviço, a justiça, a fraternidade, a fé, etc.

Neste mundo capitalista nada é dado gratuitamente, tudo tem seu preço, tudo é taxado e comercializado. Esquecemos que a vida acontece por pura gratuidade, por puro dom de Deus.

É preciso algo mais que dinheiro. A solução de Jesus é abrir outra possibilidade: Ele vai ajudá-los a vislumbrar um caminho diferente. Antes de mais nada, é necessário que ninguém monopolize o seu alimento para si mesmo, quando há outros que passam fome. Seus discípulos terão que aprender a pôr à disposição dos famintos o que têm, mesmo que seja só “cinco pães de cevada e dois peixes”.

Jesus ensina que a dinâmica do Reino é a arte de compartilhar. Talvez todo o dinheiro do mundo não seja suficiente para comprar o alimento necessário para todos os que passam fome...O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando.

O pão nas mãos de Jesus era pão para ser partido, repartido e compartilhado.

O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.

Também, hoje, Ele precisa das nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa das nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.

O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.

O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!

Deus precisa do nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, para que possamos comungar.

No pão compartilhado, encontramos a luz da vida. “Se partes teu pão com o faminto... brilhará tua luz como a aurora” (Is. 58,7-8).

Nós seguidores(as) de Jesus, não devemos esquecer que o gesto de partilhar é a chave para tornar realidade a fraternidade e para nos reconhecermos como filhos e filhas do mesmo Pai. Quando se compartilha com gosto e com alegria, o alimento se multiplica e sobra.»

Rui Santiago cssr

Imagem: Agustin de la Torre - https://agustindelatorre.com/

domingo, 11 de outubro de 2020

REGRESSAR À GALILEIA



"Regressar à Galileia… não para “ficar”, mas para ser sempre enviado a partir de lá, a partir da convivência com Jesus, da realidade dos seus gestos e das suas palavras, com os pés assentes na terra que ele mesmo pisou…

Porque muitos dos que são tidos como discípulos de Jesus nunca foram à Galileia estar com ele! Nem nos damos conta, muitas vezes, mas acontece termos uma Fé de Niceia, de Constantinopla ou Calcedónia, uma fé feita de dogmas secos, especulativos, filosóficos, não pessoal nem relacional. A fé num “Cristo de laboratório” composto com as achegas de diversos teólogos do tempo e depois sempre recomposto pelos acrescentos dos teólogos posteriores que lhes seguem as pisadas.

Uma fé que produz Credos mas não faz acontecer o Reino de Deus. Formula dogmas, mas não inscreve Sabedoria nem o Fascínio de Jesus na Vida das pessoas…

Há também a fé de Trento, chamemos-lhe assim, e dos modelos cristológicos e eclesiais que lhe está na base, a invenção de um Cristo sacrificado por Deus como pagamento do preço que Lhe era devido pelos pecados da Humanidade, a heresia de uma “salvação” jurídica que ficava selada quando o Pai esmagava sob a Sua cólera a carne do Seu Filho e aplacava a Sua glória ofendida pelos nossos pecados quando lhe bebia a última gota de sangue pingado da cruz.

Maldita teologia que tanto desfigurou o Rosto de Deus e do Seu Cristo, que se tornou depois piedade, devoção e crença popular através de milhares de púlpitos, que gerou uma sociedade de escravos, sempre tão ao jeito dos poderosos de qualquer tempo…

O que está em causa é romper a fatalidade da impotência diante do mal, não pagar uma dívida devida a Deus! O que está em causa na vida de Jesus é abrir a possibilidade de uma realização plena para o ser humano, não pagar um castigo. O que está em causa é dar ao ser humano tudo o que Deus tem para nos dar como Graça, não dar a Deus tudo o que o ser humano lhe deveria dar como expiação.

Há uma coisa fundamental que nós, de cultura individualista, muitas vezes esquecemos: tudo o que Jesus viveu e tudo o que nele aconteceu, não vale somente para ele mas para todos. Por outras palavras: a Redenção que anunciamos não é uma teoria vaga, aérea, mas coincide com o mistério pessoal de Jesus de Nazaré e a acção de Deus nele. A Redenção não é uma “coisa” ou “ideia” mas uma pessoa, no processo concreto da sua existência. Por outras palavras ainda: a Redenção não é uma espécie de misticismo invisível mas, antes de tudo, a maneira concreta de Jesus viver!

A Redenção não foi um veredicto que caiu sobre a cabeça de Jesus a nosso favor. A Redenção não foi um momento de sacrifício e sofrimento que agradou a Deus e nos salvou o coiro a nós...

A Boa Notícia da Cruz não está naquela morte pecaminosa, mas naquela Fidelidade Incondicional e Invencível! Dom extremo feito por Jesus àqueles que se deixam envolver pela sua vida: a morte não tem a última palavra, e qualquer um que adere a ele, ama-o e se deixa por ele amar não morrerá eternamente!"

Rui Santiago cssr


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

LER PARA CRER



Hoje, é dia de inauguração de uma nova rubrica - "Ler para crer" - dedicada á divulgação de literatura cristã, nomeadamente, no domínio da espiritualidade, teologia, cristologia, etc.

Serão feitas recomendações/sugestões de livros que li e que considero relevantes para o crescimento/amadurecimento da fé e conhecimento de Jesus.

Quero abrir esta rubrica com chave de ouro, pelo que começo com um livro excepcional e um autor que admiro profundamente: “Jesus – Uma Abordagem Histórica” de José António Pagola*.

José Antonio Pagola, sacerdote e teólogo espanhol, é um homem apaixonado por Jesus. Os seus inúmeros escritos, cursos e conferência são seguidos por numerosos crentes e não crentes que querem conhecer a verdade sobre Jesus e a Boa Nova para a humanidade.

Antes de vos falar sobre o livro, gostaria de partilhar uma declaração do autor, que exprime a sua paixão, a sua fé e amor a Jesus e ao Seu Projeto de Vida:

“Na realidade, eu dou importância absoluta a Jesus e vivo dedicando-me para libertar a Sua Igreja daquilo que nos desvia do seu Evangelho ou nos impede de voltar a Ele. Para entender a minha vida de hoje e a minha mensagem, isto é o que eu mais trago no coração e é importante: eu quero contribuir com todas as minhas forças para voltar para Jesus. Para mim, isso é o mais decisivo que pode acontecer na Igreja nos próximos anos. Quero trabalhar de maneira humilde, mas firme, para que, na Igreja, vivamos colocando no centro, com mais verdade e fidelidade, a pessoa de Jesus, a Sua mensagem e o Seu projeto de abrir estradas para o reino de Deus. Isso significa voltar a quem é fonte e origem da Igreja, o único que justifica a Sua presença no mundo e na história; a única verdade que a nós, cristãos, nos é concedido viver. Isso significa, sobretudo, deixar que Deus encarnado em Jesus seja o único Deus da Igreja, o Abbá, o Deus da misericórdia, o Deus amigo da vida, o Pai defensor dos pobres." (José Antonio Pagola)
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“Jesus – Uma Abordagem Histórica” - José António Pagola

Recomendo a leitura desta magnífica obra sobre Jesus. O autor usou de perto o método histórico, analisando o contexto em que viveu Jesus, a cultura, a sociedade, os dados arqueológicos, a comparação com a vida social, cultural e religiosa daquele tempo, naquelas aldeias da Galileia e da Judeia.

Pagola parte da ambiência da fé, propondo a figura de Jesus para hoje, a partir de tudo o que ajuda a situar Jesus no seu tempo. Para os não-crentes, o livro pode revestir-se de uma informação séria sobre a figura de Jesus. Para os crentes pode ajudá-los a acolher Jesus, não romantizado mas encarnado, no tempo e na história, procurando sintonizar-se com o Seu proceder para que as respostas que damos hoje sejam mais cristãs e nos convertam em irmãos, para construir uma sociedade mais justa e fraterna.

É um livro com muitas páginas, mas que se lê com facilidade. A linguagem do autor é simples e acessível, mas rigorosa. O estilo é vivo, direto, de fácil compreensão.

Como refere Pagola, o livro nasceu da sua fé e amor a Jesus Cristo, e estimulado por essa mesma fé procurou narrar a história de Jesus de forma viva e significativa para os tempos atuais. Direciona o livro não apenas para os que se confessam cristãos, mas também para aqueles que ignoram a sua realidade ou aqueles que se afastaram ou desencantaram com a igreja e buscam caminhos alternativos de vida (p. 26- 27). A sua intenção é favorecer a aproximação histórica de Jesus “estudando sobretudo a lembrança que ele deixou nos seus” (p.19). E esta aproximação é contagiante: “É difícil aproximar-se dele e não sentir-se atraído pela sua pessoa. Jesus traz um horizonte diferente para a vida, uma dimensão mais profunda, uma verdade mais essencial” (p. 22).

No seu livro, Pagola confere um importante lugar para as mulheres no movimento de Jesus. Foram verdadeiras “discípulas de Jesus”, estando presentes e atuantes desde a Galileia até Jerusalém. Elas “fizeram parte do grupo que seguia Jesus desde o início”. Algumas são nomeadas, como Maria de Mágdala, que ocupa um lugar de destaque, sendo sua melhor amiga (p. 280-281). O autor assinala a presença delas na última ceia e o seu lugar de destaque na fé pascal (p. 276-277).

A Deus, como Pai, Jesus dedica a sua oração nos momentos cruciais da sua caminhada. Jesus sempre se dirige a Deus como “Pai”, com quem partilha confiança e intimidade (p. 383 e 392). É o Pai do céu, que “não está ligado ao templo de Jerusalém nem a nenhum outro lugar sagrado. É o Pai de todos, sem discriminação nem exclusão alguma. Não pertence a um povo privilegiado. Não é propriedade de uma religião. Todos podem invocá-lo como Pai” (p. 392).

O tema do seguimento de Jesus entra no final, coroando com êxito a reflexão de Pagola. O que Jesus deixou atrás de si foi o projeto de dar continuidade ao seu sonho de fraternidade. Não “pensou numa instituição dedicada a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em marcha um movimento de “seguidores” que se encarregassem de anunciar e promover o Seu projeto do “Reino de Deus” (...). Por isso, não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da Igreja, o seguimento fiel à pessoa de Jesus” (p. 569).

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*José António Pagola é sacerdote e tem dedicado a sua vida aos estudos bíblicos, nomeadamente à investigação sobre o Jesus histórico. Nascido em 1937, é licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), licenciado em Sagradas Escrituras pelo Instituto Bíblico de Roma (1965), e diplomado em Ciências Bíblicas pela École Biblique de Jerusalém (1966).


INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO

“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Bet...