domingo, 29 de novembro de 2020

ADVENTO

 


"Advento, tempo de espera. Não apenas de um dia, mas daquilo que os dias, todos os dias, de forma silenciosa, transportam: a Vida, o mistério apaixonante da Vida que em Jesus de Nazaré principiou.

Advento, tempo de redescobrir a novidade escondida em palavras tão frágeis como "nascimento", "criança", "rebento".

Advento, tempo de preparar, mais do que consumir. Tempo de repartir a vida, mais do que distribuir embrulhos.

Advento, tempo de procura, de inconformismo, até de imaginação para que o amor, o bem, a beleza possam ser realidades e não apenas desejos para escrever num cartão.

Advento, tempo de dar tempo a coisas, talvez, esquecidas: acender uma vela; sorrir a um anjo; dizer o quanto precisamos dos outros, sem vergonha de parecermos piegas.

Advento, tempo de se perguntar: "há quantos anos, há quantos longos meses desisti de renascer?"

Advento, tempo de rezarmos à maneira de um regato que, em vez de correr, escorre limpidamente.

Advento, tempo de abrir janelas na noite do sofrimento, da solidão, das dificuldades e sentir-se prometido às estrelas, não ao escuro.

Advento, tempo para contemplar o infinito na história, o inesperado no rotineiro, o divino no humano, porque o rosto de um Homem nos devolveu o rosto de Deus."

José Tolentino Mendonça

Desenho do meu caro amigo Agustin de la Torre

sábado, 28 de novembro de 2020

A NOITE DO SAMARITANO


"Uma vez encontrei uma pintora que estava a trabalhar as parábolas de Jesus, e uma parábola que ela tratou no seu trabalho artístico foi a do Bom Samaritano. Ela depois designou a exposição “A noite do samaritano.” Porque ela disse: “Eu li muitas vezes a parábola do Bom Samaritano mas só ao fim de muito tempo é que eu descobri isto: o samaritano passou uma noite inteira junto daquele ferido, passou uma noite inteira a cuidar dele. Então, o que me interessa é tratar a noite do samaritano.” Isto é, aquela noite, aquele tempo longo, aquele gesto talvez desmesurado de amor, de compaixão pelo outro que ocupa a noite inteira. E ele, possivelmente, ficou em vigília toda aquela noite, cuidando do outro. Essa noite, a noite do samaritano é a noite de Deus na nossa vida. (...)".

No fundo, o grande desafio é tornarmos a nossa vida uma parábola de misericórdia, que a nossa vida seja uma parábola. Não tem de ser esta do Bom Samaritano, mas a nossa vida tem de ser uma história de misericórdia e tem que ter histórias de misericórdia.»

José Tolentino Mendonça

Imagem: "O Bom Samaritano", Rembrandt

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A IGREJA EM QUE ACREDITO (2ª parte)

"Acredito numa Igreja de Discípulos, aquela em que a atitude fundante de todas as opções e escolhas é a escuta orante e sem preconceitos da Palavra do Mestre, fonte permanente de Sabedoria, novidade e apelos de mudança. 

A Igreja dos Discípulos é aquela em que ninguém se considera superior a ninguém e as comunidades se estruturam de maneira fraterna. O único Mestre é Jesus Cristo e a única Sabedoria que se procura é a do Espírito Santo. 

Acredito numa Igreja de Profetas, na dinâmica comunitária daqueles que estão implicados na Palavra que proclamam e celebram, aqueles que assumem a totalidade das consequências da sua Fé, da sua Esperança e do seu Amor. 

A Igreja dos Profetas é aquela que dá à luz gente capaz de morrer por Cristo, é a Igreja indomável diante dos poderes do mundo, contexto comunitário de amadurecimento pessoal de homens e mulheres que não se deixam domesticar pelas “falinhas mansas” de todos os anti-evangelhos de rosto sedutor que por aí andam.

Repudio a igreja dos sacerdotes de templo. A igreja dos sacerdotes de templo é aquela em que os peritos do culto querem mandar e perceber mais que o Espírito Santo quando se trata da relação do Homem com Deus. O cumprimento das normas substitui facilmente a Verdade, os ritos ocupam o lugar do Amor e a função do sacerdote esgota toda a acção da comunidade.

Repudio a igreja dos fariseus, aqueles que se consideram a medida perfeita de Deus e dos Homens, os que se têm a si próprios como critério para falar de Deus e avaliar os outros.
Os fariseus são os que substituíram o Coração por uma régua, trocaram os olhos por microscópios, as mãos por algemas, e quando falam vemos-lhes a língua bifurcada dentro da boca, se estivermos atentos..."

Rui Santiago cssr

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A IGREJA EM QUE ACREDITO (1ª parte)


"Acredito numa Igreja de Pecadores e Imperfeitos.

A Igreja dos Pecadores e dos Imperfeitos é aquela em que Deus tem espaço para ser Graça, e todos têm espaço para serem acolhidos sem se sentirem julgados.

A Igreja dos Pecadores e Imperfeitos é aquela em que as comunidades não conhecem divisões entre puros e impuros, aquelas em que, sem ingenuidades nem mediocridades, cada um é aceite tal como é e amado pela Verdade que procura no seu Coração. 

Acredito numa Igreja de Pobres e Pequenos, aqueles que são capazes de perceber que a Vida é a sua maior riqueza, os que não têm os dias sempre cheios demais para dar importância quotidiana à Palavra de Deus, os que não estão sempre a pensar no que podem ganhar ou perder em cada opção que haja a tomar.

A Igreja dos Pobres e Pequenos é aquela em que as comunidades não querem possuir nem dominar, onde cada um está disponível para partilhar com os outros o que tem, sabe e é. 

Os Pequenos são os que não precisam de ser grandes para se sentirem felizes, porque já têm maturidade suficiente para perceber que a única grandeza verdadeira é a do Coração, porque só essa é eterna. A verdadeira grandeza é aquela que engrandece os que estão ao lado.

Na Igreja dos Pobres e Pequenos todos são profundamente Ricos e Grandes, porque recupera-se o gosto pelas coisas simples e o maravilhamento pelas belezas não maquilhadas da Vida e da Criação. A Palavra de Deus e o Espírito Santo não deixam que se embruteça o Coração com a brutidade da presunção e da vaidade."

Rui Santiago cssr

Foto: mehdi_zavvar


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

CONTARAM-ME...

 


contaram-me a história de um homem
que foi uma história de salvação
sem ter sido uma história de sucesso

negou a glória que o mundo dá
para afirmar a salvação que o mundo precisa

só podia salvar alguém
quem resistisse a salvar-se a si mesmo

a pedra mexeu
a pedra rolou
a estátua tombou
a Vida tomou conta de tudo

Rui Santiago cssr

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

LER PARA CRER

 

«Jesus – Um encontro passo a passo» - James Martin, sj *

Sobre o livro

“O jesuíta James Martin lança o desafio para que o leitor explore mais a vida de Jesus. Convida-o a encontrar o Jesus que estudou, o Jesus da sua fé, mas também o Jesus histórico que ele descobriu aquando da sua visita à Terra Santa.
O autor aborda apenas alguns acontecimentos da vida de Jesus que têm marcado a sua vida e que possam trazer algo de novo para a compreensão de Jesus. Trata-se do Jesus da experiência do autor, dos seus retiros espirituais, e também, do seu percurso de vida ao longo dos anos junto dos mais marginalizados da sociedade.

Podemos perceber, através das palavras do autor, qual é a intenção e propósito desta obra: 

 «Bem […] escreverei sobre aquele Jesus que encontrei na minha vida. Esse é um Jesus sobre o qual ainda ninguém escreveu». Isto pode assemelhar-se a ouvir um amigo contar-nos algo inesperado acerca de um amigo mútuo. «Eu não sabia isso acerca dele», poderá alguém dizer, pensativo. Ver um amigo através de outros olhos poderá ajudar-nos a apreciar mais essa pessoa. Poderemos acabar por compreender esse amigo de uma forma completamente nova. Assim, gostaria de convidar o leitor a conhecer aquele Jesus que já conhece, mas de uma forma nova. Ou, se não sabe muito acerca de Jesus, gostaria de lho apresentar. Acima de tudo, gostaria de apresentá-lo àquele Jesus que eu conheço e amo, à pessoa que ocupa o centro da minha vida. Chegar a conhecer Jesus, como chegar a conhecer qualquer outra pessoa, tem sido para mim uma verdadeira peregrinação. Parte dessa peregrinação foi uma viagem a Israel, uma viagem que mudou a minha vida.”
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Opiniões

«Este não é apenas um livro: é uma viagem. E uma viagem que teremos vontade de recordar, sempre.» 
(José Tolentino Mendonça)

«Muito acessível, convidativo – com atração magnética… Um livro profundo.» 
(Joan Chittister, OSB)

«A descrição de James Martin toca a nossa imaginação, incendiando-a de novo.»
(Timothy Radcliffe, OP, antigo Mestre-Geral dos Dominicanos)

«No total de 25 breves capítulos, escritos numa linguagem muito acessível em diálogo com o leitor, o autor parte de textos evangélicos e episódios da vida de Jesus, em chave de fascínio e atração.»
(Rui Pedro Vasconcelos, in revista Mensageiro de Santo António)
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Excerto

PARÁBOLA VIVA DA OVELHA PERDIDA

“Há quase vinte anos, trabalhei com o Serviço Jesuíta para aos Refugiados (SJR) em Nairobi, no Quénia. A minha função era ajudar os refugiados a iniciar pequenos negócios que lhes permitissem sustentar-se a si próprios e suas famílias. Certo dia, encontrava-me ao volante do meu jipe, fora da cidade, perto do vale Rift, para ir visitar um lavrador… Enquanto subia um íngreme desfiladeiro montanhoso, fiquei siderado a olhar para a erva verdejante que atapetava a encosta. De repente, aparentemente vinda do nada, uma ovelha branca solitária desceu a custo o monte e atravessou a correr à frente do meu carro. Guinei para evitar atropelá-la (não havia outros veículos por perto). Depois, fiquei a observar a ovelha descer cuidadosamente até ao vale, situado do lado direito da estrada.
Nesse preciso momento, uma figura atravessou rapidamente a estrada, vindo da minha esquerda. Era um jovem pastor maasai. Na cultura maasai, os rapazes mais novos cuidam das ovelhas, por vezes desde os cinco anos, os mais crescidos apascentam cabras, e os mais velhos, incluindo homens adultos, têm a seu cargo o gado bovino. O pastor atravessou a toda a velocidade diante do meu vagaroso jipe. Descalço e sorridente, acenou-me ao passar. Desceu com dificuldade a encosta do monte, perseguindo a ovelha, levantando nuvens de pó e chamando em voz alta, enquanto a procurava. Fiquei a observá-lo durante alguns segundos, enquanto ele descia o monte. A seguir, ergui o olhar e avistei o resto do rebanho, cerca de vinte ou trinta ovelhas, a subir o monte situado à minha esquerda.
“Que estúpido! – pensei. – Deixou para trás todo o rebanho só por uma ovelha.” Então fez-se luz no meu espírito, e desatei a rir em voz alta. Era a parábola da ovelha perdida, ao vivo!»
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*“JAMES MARTIN é jesuíta e editor-geral da revista America. Depois de se ter licenciado na Escola de Negócios da Universidade da Pensilvânia, James Martin trabalhou durante seis anos em Finanças, antes de entrar na Companhia de Jesus e cursar Filosofia e Teologia. Exerceu apostolado nos EUA, Jamaica e Quénia, entre as populações mais desfavorecidas, em particular com reclusos e refugiados políticos. Dotado contador de histórias, é autor de bestsellers galardoados e traduzidos em nove idiomas, além de presença frequente em universidades e meios de comunicação de larga audiência. Em Portugal, a Paulinas Editora publicou, das suas obras: Torna-te aquilo que és: Da imitação à autenticidade (2009).”

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

PARÁBOLAS DA VIDA


“Há quase vinte anos, trabalhei com o Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR) em Nairobi, no Quénia. A minha função era ajudar os refugiados a iniciar pequenos negócios que lhes permitissem sustentar-se a si próprios e suas famílias. Certo dia, encontrava-me ao volante do meu jipe, fora da cidade, perto do vale Rift, para ir visitar um lavrador (...) Enquanto subia um íngreme desfiladeiro montanhoso, fiquei siderado a olhar para a erva verdejante que atapetava a encosta. De repente, aparentemente vinda do nada, uma ovelha branca solitária desceu a custo o monte e atravessou a correr à frente do meu carro. Guinei para evitar atropelá-la (não havia outros veículos por perto). Depois, fiquei a observar a ovelha descer cuidadosamente até ao vale, situado do lado direito da estrada.
Nesse preciso momento, uma figura atravessou rapidamente a estrada, vindo da minha esquerda. Era um jovem pastor maasai. Na cultura maasai, os rapazes mais novos cuidam das ovelhas, por vezes desde os cinco anos, os mais crescidos apascentam cabras, e os mais velhos, incluindo homens adultos, têm a seu cargo o gado bovino. O pastor atravessou a toda a velocidade diante do meu vagaroso jipe. Descalço e sorridente, acenou-me ao passar. Desceu com dificuldade a encosta do monte, perseguindo a ovelha, levantando nuvens de pó e chamando em voz alta, enquanto a procurava. Fiquei a observá-lo durante alguns segundos, enquanto ele descia o monte. A seguir, ergui o olhar e avistei o resto do rebanho, cerca de vinte ou trinta ovelhas, a subir o monte situado à minha esquerda.
“Que estúpido! – pensei. – Deixou para trás todo o rebanho só por uma ovelha.” Então fez-se luz no meu espírito, e desatei a rir em voz alta. Era a parábola da ovelha perdida, ao vivo!

James Martin, sj, in "Jesus - Um Encontro Passo a Passo"

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

O DESAFIO MAIOR DE VIVER


"Todos os "amo-te" nos salvam da Morte, se tivermos vivido de maneira a saber recebê-los. Sempre que dizemos a alguém "gosto de ti", estamos a dizer-lhe "não morrerás". O desafio maior de Viver é construir qualquer coisa que, de tão bela e partilhada, não faça sentido deixar de existir. Construir a Vida é dar-lhe razões para existir sempre.

E "desafio" significa confiar e arriscar... E "construir" significa perguntar e experimentar... E "existir" é receber-se e dar-se, sem ser fonte de si mesmo. E, por isso, não creio que haja outro caminho para chegar a ser Feliz, senão tacteando estas veredas de um certo "não-saber" que, despojando-me das certezas absolutas, me liberta para receber a Vida em toda a sua Graça. Então, há momentos em que a cortina se entreabre um pouco, com a Dança que lá vai dentro, e podemos ter um vislumbre que nos dá Fome e Paz ao mesmo tempo, Sede e Ternura, Desejo e Consolação.

E se eu não fosse tão miserável nas coisas da matemática, poderia saber o que é equacionar a Vida segundo a Regra dos Três Simples. Mas, ainda que às apalpadelas, atrevo-me a rezar aos Três Simples: "Pai, Filho e Espírito Santo, ajudem-me a amar de tal maneira que descubra a Simplicidade salvadora inscrita no mais profundo de todos os dias, lá no centro da existência que é inspirada pelo vosso Mistério sereno e forte de Comunhão."

Rui Santiago cssr, in Derrotar Montanhas, 2013


 

sábado, 7 de novembro de 2020

LER PARA CRER



«Atravessar a própria solidão: chamamento à vida espiritual» - Carlos Maria Antunes*

Sinopse:

«Creio que não é possível nenhum caminho espiritual autêntico sem ser através da experiência da solidão e do silêncio. Não só o silêncio exterior, que é importante, mas fundamentalmente o silêncio interior, silêncio como vazio, como abertura. O silêncio que nos coloca em disposição da escuta para saber o que está no nosso interior, para descobrirmos que a nossa verdadeira identidade se desvenda na presença do Mistério de Deus que nos habita. Não há aqui nenhuma proposta de individualismo ou de intimismo. Pelo contrário: é uma proposta de busca do outro, de busca de Deus. Atravessar a própria solidão gera abertura e não fechamento. A solidão, tantas vezes experimentada como dor, quando atravessada, pode transfigurar-se em festa.»

«A Jesus nós chegamos pela exposição radical de nós mesmos. Ou, como recorda aqui, de forma tão profética, Carlos Maria Antunes, chegamos a Ele através da nossa solidão.» (José Tolentino Mendonça)
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Excertos:

"O acesso à nossa identidade mais profunda requererá sempre uma peregrinação. E, para o peregrino, ainda que parta movido pelo desejo da chegada, o próprio caminho ensinar-lhe-á que a densidade da peregrinação lhe será dada pelos passos dados, pela luta que supõe cada dia, quando as forças parecem esgotar-se… Reconhecerá que o importante na vida, mais do que chegar, é mesmo o caminho. Estar na vida como peregrinos ensina-nos a ser humildes, a assumirmo-nos como inacabados.

O mistério da nossa própria existência requer de nós, como do peregrino, fazermo-nos ao caminho, adentrarmo-nos no desconhecido, sempre com grande humildade. Face ao insondável que nos habita, não há outra forma. Somos beleza, beleza irrepetível, da qual não temos o direito de nos privarmos nem de privarmos os outros. Adentrarmo-nos na nossa solidão, como humildes peregrinos, ainda que alguns passos sejam especialmente duros, é o nosso mais original contributo para a grande sinfonia da vida, para a qual toda a criação está convocada. (…)

Quando nos decidimos a ir por dentro de nós é um sinal de que Deus nos precedeu com a sua graça e que, desde sempre, nos espera na nossa própria casa. Deus nunca se cansa de nos chamar à vida, a uma vida cheia, plena e, por isso, espera-nos incansavelmente. Tantas vezes tem de esperar por uma fratura para que a sua presença seja reconhecida! Ao decidirmos empreender esta viagem, dar-nos-emos conta de que grande parte da nossa vida a vivemos na superfície, a superfície da imagem, das crenças que fomos assimilando ao longo da vida, a superfície do nosso sistema defensivo, da nossa máscara… Dar-nos-emos conta de que há algo de irrealidade no nosso viver. Inclusivamente, aquele a quem chamamos Deus é, tantas vezes, um elemento mais deste nosso mundo artificial em que nos movemos, um deus pequenino, que cabe na nossa cabeça e que é controlável por nós. Quando nos damos conta da estreiteza do nosso horizonte, algo já se desmoronou, sabemos que já não queremos viver mais assim, no entanto, também não sabemos como sair do que em nós está tão solidificado. Diria que, aqui, nos encontramos num ponto cume da nossa solidão. É como se, de repente, tivéssemos perdido o mapa. As nossas mais profundas crenças sobre nós próprios, sobre Deus, sobre o mundo, manifestam-se frágeis, inconsistentes, com sabor a falso. E não sabemos como sair deste círculo vicioso. Pode ser uma experiência muito difícil, mas também cheia de oportunidades. Um verdadeiro Kairós (tempo denso de salvação)!"
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* Carlos Maria Antunes é presbítero e monge cisterciense no mosteiro de Santa Maria do Sobrado, na Galiza. Nascido em Tomar, foi durante década e meia pároco na diocese de Santarém. É autor dos livros "Atravessar a própria solidão" (2011) e "Só o Pobre se faz Pão" (2013), ambos editados pelas Paulinas.



quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 


diante da vida
só o amor reúne
só o amor relembra a fonte
só o desejo inflama
só o desejo reza

secaram-nos os olhos
incendiados de imagens
mirrou-se o coração
que o fantasma da Moral habita
imunizou-nos o rito
de tanto o repetirmos

introduz-nos o Amor que ressuscita
nos átrios da vida invisível da carne
em que se revela a vida do amor na morte

no rio da graça entremos
a lavar os sentimentos e os olhos

só na história e na carne Deus se encontra
só na carne viva se manifesta o espírito

toque-nos a palavra
que nos faz viver com os outros e morrer por Deus

diante da Vida morte, vivamos
ressuscitados, perdoados
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José Augusto Mourão, in “O Nome e a Forma”

domingo, 1 de novembro de 2020

SANTIDADE

 


Desenho de Agustin de La Torre: https://agustindelatorre.com/


Um dia, vamos conhecer os verdadeiros santos de todas as religiões, credos, culturas, e de todos os ateísmos: os que viveram amando, no anonimato, sem nada esperar.

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO

“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Bet...