domingo, 30 de agosto de 2009

O ESPÍRITO DE AMOR

«Enquanto me dou conta que, de há dez anos, não fazia a mínima ideia de como as coisas me iriam acontecer, continuo, no entanto, a manter a ilusão de que tenho o controlo da minha própria vida. Gosto de decidir tudo à minha maneira, a próxima coisa que farei, o objectivo que quero atingir é imaginar o que os outros pensarão de mim.
Enquanto estou ocupado com a própria vida, torno-me insensível aos movimentos imperceptíveis do Espírito de Deus em mim, apontando-me para direcções bastante diferentes das minhas.

É necessária uma grande capacidade para criar silêncio, solidão interior e nos tornarmos conscientes destas inspirações divinas. Deus não grita nem empurra. O Espírito de Deus é calmo e sereno como uma voz suave ou uma ligeira brisa. É o espírito de amor.

Se calhar, ainda não acreditamos perfeitamente que o Espírito de Deus é, na verdade, o Espírito de amor que nos conduz cada vez mais profundamente para o amor. Se calhar, ainda não confiamos no Espírito, com medo de sermos conduzidos para lugares que nos possam tirar a liberdade. Ou, quem sabe, ainda pensamos no Espírito de Deus como um inimigo que exige de nós algo que julgamos não ser bom para nós.

Mas Deus é amor, só amor, e o Espírito de Deus é o Espírito de Amor que anseia por nos guiar para lugares onde os desejos mais profundos do nosso coração podem ser satisfeitos. Com frequência, nem sequer nós próprios sabemos qual é o nosso mais profundo anseio. Ficamos muito facilmente enredados pela nossa cobiça e raiva, partindo do pressuposto errado de que esses sentimentos nos comunicam o que realmente queremos.

O Espírito de amor diz: «Não tenhas receio de pôr de lado a necessidade que sentes de controlar a tua própria vida. Deixa-me preencher os verdadeiros desejos do teu coração.»

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

CRISTO VIVE EM NÓS!

«Cada vez que somos capazes de romper com as nossas rotinas,
as nossas resignações, as nossas condescendências, as nossas alienações
em relação à ordem estabelecida ou à nossa individualidade acanhada. (...)
Cada vez que damos algo de novo à forma humana,
Cristo está vivo, a criação prossegue em nós, por nós, através de nós.
A Ressurreição realiza-se todos os dias

(R. Garaudy)

domingo, 23 de agosto de 2009

MINIATURAS DE CRISTO

"...até que Cristo seja formado em vós" (Gálatas 4.19)

Ele age em nós de todas as maneiras. Mas, acima de tudo, ele age em nós por intermédio uns dos outros. Os homens são espelhos ou "transmissores" de Cristo para outros homens. Geralmente são aqueles que conhecem a Cristo que o levam aos outros. É por isso que a Igreja, todo o conjunto de cristãos que revelam Cristo uns aos outros, é tão importante.

É muito fácil pensar que a Igreja tem muitos objectivos diferentes - educação, obras, missões, cultos... A Igreja não existe para outro propósito senão atrair os homens para Cristo, transformá-los em miniaturas de Cristo. Se ela não faz isso, então todas as Catedrais, todos os líderes, todas as missões, todos os sermões, a própria Bíblia - tudo não passa de perda de tempo. Deus não se tornou homem por outro motivo. E é até de duvidar, veja só, que todo o Universo tenha sido criado por qualquer outro motivo.»

C.S. Lewis

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A TENTAÇÃO DE IMPRESSIONARMOS

Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida? É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espectaculares - tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos - tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, aprecidado, amado e aceite tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?
Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço.

Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo. A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.

Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.» De facto, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita.

Trata-se, de facto, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de facto, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de mo demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»

O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.

A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestritiva de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidad compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.

Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros.

Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espectaculares.

Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da presença de Deus nas nossas vidas.

Henri Nouwen, em "O esvaziamento de Cristo"

domingo, 16 de agosto de 2009

O NASCIMENTO DIVINO DENTRO DE NÓS

«O que é que torna a vida do homem "divina"? Com certeza, se essa qualidade especial o caracteriza, ela deve ser, em certo sentido, reconhecível.
A vida "divina" caracteriza-se, de facto, por uma fé que liberta o homem de todas as formas de servidão, até, e talvez especialmente, em questões religiosas (ver Gálatas). Essa fé o coloca sob a orientação directa do Espírito Santo de amor que vive na Igreja de Deus.

O homem "divino", ou "o filho de Deus", é então paradoxalmente marcado por grande humildade e modéstia. Não é violento, mas clemente e bondoso (Mt 5, 43-48), livre de qualquer necessidade de auto-afirmação agressiva. Não se aflige com as próprias necessidades, mas confia plenamente em Deus para tudo (Mt 6,19-34).

O homem que leva uma vida "divina" é, portanto, filho perfeito de Deus à imitação de Cristo que, em todas as coisas, considerava apenas a vontade e o amor de Seu Pai. O homem divino vive em contacto constante com a fonte interior da vida divina ou, como teria dito Mestre Eckhart, com "o nascimento divino dentro de nós"

Thomas Merton, em "Amor e Vida"

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

SALMO PELO DESEJO DE MUDAR DE VIDA

Há dentro de mim, Senhor,
algo que me preocupa. Queria fazer grandes coisas.
Vejo a necessidade de dirigir
a minha vida por outros caminhos.
Sinto que deveria fazer algo mais.
Mas na hora da verdade,
muitas vezes a coisa fica-se por palavras.

Critico toda a gente
porque penso que as pessoas deviam fazer as coisas melhor.
Mas, na hora da verdade, não olho para mim mesmo,
sou incapaz de reconhecer que às vezes,
sou pior do que as pessoas que critico.

E o que mais me preocupa
é que me encontro num beco sem saída,
levo tanto tempo com bons desejos e poucas acções
que penso que nada vai mudar.
Costumo dizer como Santo Agostinho:
amanhã, amanhã, amanhã mudarei.
Mas o amanhã nunca chega
e quase sempre se converte noutro amanhã.

Quando escuto essas tuas palavras que dizem:
«Assim porque és morno - e não és frio nem quente -
vou vomitar-te da minha boca»,
sinto-me francamente mal
e penso que tenho de começar a dar algum passo;
que deveria delinear a minha vida a sério
e fazer uma opção clara por ti.

Faz, Senhor com que saia desta roda interminável,
faz, Senhor, com que saiba renunciar
às comodidades que me estorvam.
Faz, Senhor, que me atreva a andar pelo caminho estreito,
Faz, Senhor, com que seja o sal da terra e a luz do mundo.
Faz, Senhor, com que ame os meus irmãos como tu me amas.

Olha-me, Senhor, com carinho
e transforma-me numa pessoa nova
para que o meu coração de pedra
se converta num coração de carne como o teu.
Porque estou convencido de que a autêntica vida
e a autêntica felicidade só poderei encontrá-las a teu lado.»

Pedro Muñoz Peñas, em "Orar com Deus"

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O AMOR PRESENTEADO

«Na sua forma mais simples e mais íntima, a fé mais não é do que aquele ponto no amor em que reconhecemos que também precisamos de ser presenteados. Assim, a fé é aquele ponto no amor que o identifica realmente como amor; ela consiste em vencer a presunção e a auto-satisfação dos que se acham suficientes e afirmam; já fiz tudo, já não preciso de qualquer ajuda. Só uma «fé» assim põe fim ao egoísmo, a verdadeira antítese do amor. Desta forma, a fé está presente no amor verdadeiro; ela é, simplesmente, aquele momento do amor que o conduz verdadeiramente para si próprio: a franqueza daqueles que não insistem na sua própria capacidade, mas que sabem ser presenteados e necessitados. (...)

Ele não nos ama por sermos especialmente bons, especialmente virtuosos, especialmente merecedores, por lhe sermos úteis ou, mesmo, necessários: Ele não nos ama por nós sermos bons, mas porque Ele é bom. Ele ama-nos apesar de nada termos para Lhe oferecer; Ele ama-nos, inclusive, nas roupas andrajosas do filho perdido, que já nada tem em si que seja digno de amor. (...)»

Joseph Ratzinger, em "Do sentido de ser cristão"

domingo, 9 de agosto de 2009

SÓ O AMOR É DIGNO DE FÉ

O filósofo Jean Guitton, na sua obra "As minhas razões de crer", coloca uma questão pertinente: "Que se passaria em mim se a minha fé diminuísse e se desvanecesse; se, como dizem as pessoas, «perdesse a fé»? (...)

Jean Guitton afirma que o famoso padre jesuíta Teilhard Chardin colocou a si mesmo esta questão, e respondeu, «que se deixasse de crer em Deus, no Deus cristão, e mesmo em Deus pura e simplesmente, continuaria a crer no Mundo.»

Quanto a mim, se eu «perdesse a fé», estaria em plena sintonia com Jean Guitton, pois «seria no amor ou, para ser mais exacto, no que existe de absoluto no amor, que eu creria.»

Faço minhas suas palavras: «Se eu tivesse vergado sob o peso do desespero e privado de toda a esperança encontraria, nesta loucura possível do amor, força suficiente para dar ainda alguns passos na estrada da dor.
Dito de outra forma, a ideia que me daria forças face à perda de tudo, seria a ideia de que existe talvez, algures, um ser capaz de amar com um amor infinito.
E então, mesmo que esse ser fosse único, parece-me que valeria a pena o mundo ser aceite, e que teria uma razão de ser, e que o homem teria uma razão para viver e também para morrer.(...)

Também me revejo nas palavras do padre Valensin citado na referida obra de J. Guitton:
«Se na hora da minha morte visse claramente que me espera o nada e que todas as crenças estão repletas de ilusão, não lamentaria absolutamente nada ter-me enganado toda a vida e ter crido na verdade do cristianismo, pois era o amor infinito que estaria errado por não existir, e não eu por ter acreditado nele.»

Por fim, para melhor exprimir tudo o que tentou dizer sobre esta questão, Jean Guitton recorre às palavras de São João Maria Vianney, que dizia: «Se na hora da morte me aperceber de que Deus não existe, terei sido bem enganado, mas não lamentarei o facto de ter passado a vida inteira a crer no amor.»

Jean Guitton, em "As minhas razões de crer"

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A fé não exige que se destrua o desejo humano,
nem que seja exaltado,
mas que seja integrado num desejo ainda maior: a sede de Deus.
Sim, o mero desejo de Deus já é o começo da fé.

Irmão Roger, de Taizé, em "Em tudo a paz do coração"

terça-feira, 4 de agosto de 2009

CELESTE CÃO DE CAÇA

Dele fugi, noites e dias adentro;
Dele fugi, pelos arcos dos anos;
Dele fugi, pelos caminhos dos labirintos
De minha própria mente; e no meio de lágrimas
Dele me ocultei, e sob riso incessante.
Por sobre esperanças panorâmicas corri;
E lancei-me, precipitado,
Para baixo de titânicas trevas de temores abissais,
Para longe daqueles fortes Pés que seguiam,
Seguiam após mim.
Mas com desapressada perseguição,
E com inabalável ritmo,
Deliberada velocidade, majestosa urgência,
Eles marcavam os passos - e uma Voz insistia
Mais urgente que os Pés -"Tudo no mundo te atraiçoa quando tu me trais!...
Tudo foge de ti quando foges de Mim...
Ah, pobre cego e insensato!
Aquela treva que parecia envolver a tua vida
Nada mais era que a sombra de minhas mãos,
Estendidas para abraçar-te!

Francis Thompson

domingo, 2 de agosto de 2009

COM OS OUTROS

Uma das descobertas que fazemos na oração é que, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais perto ficamos de todos os nossos irmãos e irmãs da família humana.
Deus não é um Deus privado. O Deus que mora no nosso santuário íntimo é também o Deus que mora no santuário íntimo de cada ser humano. Reconhecendo a presença de Deus no nosso próprio coração, podemos também reconhecer essa presença no coração dos outros, porque o Deus que nos escolheu a nós como lugar de habitação também nos dá a capacidade de ver o Deus que habita nos outros. Se virmos só demónios dentro de nós mesmos, também só veremos demónios nos outros. Mas, quando vemos Deus dentro de nós, também podemos ver Deus nos outros.

Tudo isto poderá parecer sobremaneira teórico, mas, se orarmos, experimentaremos cada vez mais que somos parte da família humana, infinitamente atraída por Deus que a todos nos criou para partilhar da sua luz divina.

Com frequência, perguntamo-nos o que é que podemos fazer pelos outros, especialmente por aqueles que mais necessidades sentem. Não é nenhum sinal de fraqueza dizermos: «Devemos rezar uns pelos outros.»
Rezar uns pelos outros é, antes de mais, reconhecer, na presença de Deus, que pertencemos uns aos outros como filhos do mesmo Deus. Sem este reconhecimento de solidariedade humana, o que fizermos uns pelos outros não nascerá do que realmente somos.
Somos irmãos e irmãs, e não competidores ou rivais. Somos filhos de Deus, não seguidores de diferentes deuses.

Orar, isto é, escutar a voz daquele que nos trata como «muito amados», é aprender que essa voz não exclui ninguém. Onde eu moro, Deus mora comigo e onde Deus mora comigo encontro todos os meus irmãos e irmãs. E assim, a intimidade com Deus e a solidariedade com toda a gente são dois aspectos inseparáveis do mesmo viver, no momento presente.

Henri Nouwen, em "Aqui e Agora"

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO

“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Bet...