“Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas“. (Mt 5, 41)
(...) Parece que, no tempo do Império Romano, oficiais do governo podiam obrigar qualquer pessoa a carregar um fardo por uma milha (quilómetro e meio, mais ou menos). Hoje é fácil contratar uma transportadora (se tivermos dinheiro) mas no tempo de Jesus e do Império Romano não seria assim tão fácil. Talvez fosse esta a situação que Jesus tinha em mente. Alguém com autoridade e cheio de malas podia dizer-nos “Requisito-te para vires comigo e me ajudares a carregar estas malas até à próxima aldeia”. Como reagimos?
A reação mais natural seria dizermos “vai pedir à tua tia!” ou inventarmos uma mentirazinha para nos esquivarmos ou então pegarmos nas malas com cara resignada sussurrando entre dentes que “manda quem pode”. (...)
A proposta de Jesus é que nos ofereçamos para carregar as malas não só até essa aldeia mas até à outra que fica a duas milhas de distância. (…)
Em geral, na vida, caminhar a 2.ª milha é ser capaz de gratuidade e de dar um passo para além daquilo que é o estritamente necessário, daquilo que é a nossa obrigação.
Caminhar a 2ª milha não é necessariamente fazer mais ou fazer o que for mais difícil fazer. Caminhar a 2.ª milha é uma atitude, um modo de fazer, que se reflete na entrega que pomos em tudo o que fazemos.
Resumindo: caminhar na 1.ª milha é fazer o que os outros pedem ou exigem ou o que eu sei que devo fazer. E, se o fizer, isso é ótimo! Mas caminhar a 2.ª milha é ir para além disso: é dar o melhor de mim. O olhar na 1.ª milha está posto nas obrigações; o olhar na 2.ª milha está posto no bem. (…)
Santo Inácio de Loyola falou e escreveu sobre isto muitas vezes. A ideia ficou consagrada nesta pequenina palavra latina: “MAGIS”. Ou seja: “mais”. (…)
“Devemos somente desejar e escolher o que MAIS nos conduz à finalidade para que somos criados”
Ou seja: para se ser cristão não basta tentar ser um bom cidadão e cumprir com todas as obrigações religiosas de modo a evitar qualquer pecado mortal. Para se ser cristão é preciso desejar ir mais longe e estar disposto a pagar o preço desse “mais”.
A 1.ª milha é muito importante, permite que as coisas funcionem. Mas é a 2.ª milha que lhes dá brilho e sabor.
É na 2.ª milha que a vida começa a ter mais cor. É aí que surge a liberdade interior e a criatividade. E é também nesta parte do percurso que conhecemos as pessoas mais interessantes, aquelas que não se movem por agradar aos outros ou simplesmente por cumprir as obrigações mas por ir ainda mais longe, depois de cumpridas todas as obrigações.
Entre as pessoas interessantes que podemos encontrar na 2.ª milha, a mais interessante é Jesus, o homem livre que nos aponta sempre saídas inesperadas e criativas para as situações da vida. Creio que é só na 2.ª milha que podemos começar a conhecer Jesus na intimidade.
Resta-nos desejar “MAIS” e pôr-nos no caminho da 2.ª milha.
Boa caminhada de Advento!»
P. Nuno Tovar de Lemos, sj, in Ponto SJ (adaptado)
Foto: Michael Belk
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