quarta-feira, 3 de março de 2021

A CRUZ É OUTRA COISA


"É difícil não sentir desconcerto e mal-estar ao ouvir mais uma vez as palavras de Jesus: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Entendemos muito bem a reação de Pedro que, ao ouvir Jesus falar de rejeição e sofrimento, “o toma à parte e se põe a censurá-lo”.

Diz o teólogo mártir, Dietrich Bonhoeffer, que esta reação de Pedro “prova que, desde o princípio, a Igreja se escandalizou do Cristo sofredor. Ela não quer que o seu Senhor lhe imponha a lei do sofrimento”.

Este escândalo pode tornar-se hoje insuportável para nós que vivemos no que Leszek Kolakowsky chama “a cultura de analgésicos”, essa sociedade obcecada por eliminar o sofrimento e mal-estar através de todo tipo de drogas, narcóticos e evasões.

Se quisermos esclarecer qual deve ser a atitude cristã, temos que compreender bem em que consiste a cruz para o cristão, pois pode acontecer que nós a ponhamos onde Jesus nunca a pôs.

Facilmente chamamos “cruz” a tudo aquilo que nos faz sofrer, inclusive esse sofrimento que aparece na nossa vida, gerado pelo nosso próprio pecado, ou pela nossa maneira equivocada de viver. Mas não devemos confundir a cruz com qualquer desgraça, contrariedade ou mal-estar que acontece na vida.

A cruz é outra coisa. Jesus chama os seus discípulos para segui-lo fielmente e colocar-se a serviço de um mundo mais humano: o Reino de Deus. Isto é o principal. A cruz é apenas o sofrimento que nos virá como consequência desse seguimento; o destino doloroso que teremos de compartilhar com Cristo, se seguirmos realmente os seus passos. Por isso, não devemos confundir o “carregar a cruz” com posturas masoquistas, uma falsa mortificação, ou o que P. Evdokimov chama “ascetismo barato” e individualista.

Por outro lado, devemos entender corretamente o “renunciar a si mesmo”, condição que Jesus pede para carregar a cruz e segui-lo. “Renunciar a si mesmo” não significa mortificar-se de qualquer maneira, castigar-se a si mesmo e, menos ainda, anular-se ou autodestruir-se. “Negar-se a si mesmo” é não viver dependente de si próprio, esquecer-se do próprio “ego”, para construir a vida sobre Jesus Cristo. Libertar-nos de nós mesmos para aderir radicalmente a Ele.

Por outras palavras, “carregar a cruz” significa seguir a Jesus dispostos a assumir a insegurança, a traição, a rejeição ou a perseguição que o próprio Crucificado teve que padecer.

Mas nós crentes não vivemos a cruz como derrotados, mas como portadores de uma esperança final. Todo aquele que perde a sua vida por Jesus Cristo encontrá-la-á. O Deus que ressuscitou Jesus ressuscitar-nos-á também para uma vida plena.»
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José Antonio Pagola

Foto: Michael Belk

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