São Francisco abraçando um leproso, Julie Lonneman, 2014
«Jó define a lepra como a "primogénita da morte" (Jó 18, 13). De facto, os leprosos eram considerados como mortos e a sua cura eventual suscitaria o mesmo efeito de uma ressurreição da morte. O corpo do leproso é intocável não só por uma questão de higiene, mas pela simples razão de que ele é um cadáver e tocá-lo desencadearia uma impureza que impediria a participação nos actos religiosos da comunidade.
No evangelho (Mc 1:40-45), o leproso desafia todas as normas, transgride a lei, aproximando-se de Jesus, mas coloca-se de joelhos à sua frente. Jesus é movido pela compaixão até às entranhas e transborda de ternura. Jesus toca o leproso e reafirma a transgressão iniciada por ele. Ele quer limpar o mundo dos estigmas e das exclusões que atentam contra a compaixão do seu Pai. E paga caro por esta atitude: "não pode entrar mais abertamente nas cidades, é forçado a ficar nos lugares desertos" (Mc 1, 45). (...)
Jesus se revela como a própria presença de Deus que destrói toda a falsa barreira legalista. É Aquele que rompe as fronteiras, derruba os muros seculares da separação, ultrapassa os preconceitos e aniquila as discriminações sociais e religiosas. A dor é o campo dramático em que se arrisca a fé: ou ela se cumpre ou se nega. Jesus está sempre presente nesta linha de fronteira da existência humana, nesta situação-limite em que a compaixão deve falar mais alto. Ele não conhece a hesitação dos puritanos nem o egoísmo dos bem situados e bem pensantes. Ele nos faz saber que onde está a dor devem estar presentes, sobretudo, os que O seguem.
Nós, os cristãos, tantas vezes criamos “os leprosos”: os que não se comportam como as nossas ideias, os que nos incomodam e se tornam inoportunos. Quantos “leprosos” excluídos, escorraçados, ignorados, condenados ao isolamento no cenário teatral das nossas famílias, religiões e igrejas.(...)
A compaixão pode exigir-nos uma atitude de transgressão, pois o amor é maior do que tudo e leva-nos a confrontar todas as limitações, as imposições e, muitas vezes, a dizer um não a elas. Amar é também saber dizer não.»
Pe. Paulo Botas, mts
Pe. Eduardo Spiller, mts
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