«Como podemos ultrapassar esta tentação que invade toda a nossa vida?
É importante reconhecer que a nossa fome de coisas espectaculares - tal como o nosso desejo de nos evidenciarmos - tem muito a ver com a nossa procura de identidade. Ser uma pessoa e ser-se visto, aprecidado, amado e aceite tem-se tornado quase a mesma coisa para muita gente. Quem sou eu, se ninguém me presta atenção, me agradece ou reconhece o meu trabalho?
Quanto mais inseguros, hesitantes e solitários formos, maior será a nossa necessidade de popularidade e apreço.
Infelizmente, essa fome nunca será saciada. Quanto mais apreciados somos, mais desejamos sê-lo.
A fome de aceitação humana é como um barril sem fundo, que ninguém pode encher: nunca poderá ser satisfeita.
Jesus respondeu ao tentador: «Não tentarás ao Senhor, teu Deus.»
De facto, a procura de prestígio pessoal é a expressão da dúvida que temos relativamente à forma plena e incondicional com que Deus nos aceita.
Trata-se, de facto, de pôr Deus à prova. É o mesmo que dizer: «Não estou bem certo de que Tu gostas mesmo de mim, de que Tu me amas de facto, de que Tu achas mesmo que eu valho alguma coisa. Vou dar-te a oportunidade de mo demonstrares acalmando os meus medos internos com o apreço humano, e aliviando a minha baixa auto-estima com aplausos humanos.»
O verdadeiro desafio que nos é proposto é regressar ao centro, ao coração, e encontrar aí a voz suave que nos fala e nos confirma de uma forma que nenhuma voz humana alguma vez poderia fazê-lo.
A base da nossa vida cristã é experiência da aceitação ilimitada e irrestritiva de nós mesmos como filhos bem-amados, uma aceitação tão plena, tão total e tão abrangente, que nos liberta da necessidade compulsiva de sermos vistos, apreciados e admirados, e nos liberta para Cristo, que nos conduz pelo caminho do serviço.
Esta experiência da aceitação de Deus liberta-nos do nosso eu carente, criando assim, um novo espaço onde podemos prestar uma atenção desinteressada aos outros.
Só uma vida de contínua comunhão íntima com Deus pode revelar-nos a nossa verdadeira identidade; só uma vida assim pode libertar-nos para agirmos segundo a verdade, e não segundo a nossa necessidade de coisas espectaculares.
Isto está longe de ser fácil. Requer-se uma disciplina séria e perseverante de solidão, silêncio e oração. Uma disciplina assim não nos recompensará com o brilho exterior do êxito, mas com a luz interior que ilumina todo o nosso ser, e que nos permite ser testemunhas livres e desinibidas da presença de Deus nas nossas vidas.»
Henri Nouwen, em "O esvaziamento de Cristo"
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