domingo, 14 de fevereiro de 2021

O MESTRE


«Naquela manhã o Mestre olhou o horizonte e percebeu que não podia difundir a sua doutrina entre os poderosos. Estes tinham palácios, fábricas, refinarias, grupos de comunicação, multinacionais e bonitas mulheres que acordariam ao cheiro do seu dinheiro dispostas a tudo. Estavam demasiado cheios para receber alguma coisa.

Por isso decidiu pisar o pó dos caminhos e ir ao campo pregar a sua mensagem a pobres camponeses e a pescadores famintos, reunir os doentes e deserdados das aldeias e falar-lhes junto ao lago.

Dizia: "Felizes os pobres, os que não contam, os que precisam de carinho e estão sós. Felizes os não violentos, os que semeiam a paz e estão sempre dispostos a perdoar e a estender uma mão. Não tenhais medo de dizer a verdade, ainda que tentem amordaçar-vos ou vos levem presos, porque só a verdade faz as pessoas livres.

Quando sois pequenos, sois grandes, e quando ajudais uma destas velhinhas ou qualquer criança maltratada acendeis em vós um fogo que não acaba. Com cada sorriso ou copo de água que deis aos outros encontrar-vos-eis a vós mesmos, porque a nossa essência é dar e há mais alegria em dar do que em receber.

Não procureis Deus entre as nuvens, mas ao vosso lado, nos vossos vizinhos e na vossa cidade. Desconfiai dos místicos que fogem dos homens e parecem insensíveis paus de vassouras. Aqueles que com tanta segurança ditam normas e se consideram administradores divinos parecem máquinas fornecedoras de tabaco programadas para falar sem sentir. Confiai só naqueles dispostos a aprender de vós e nunca penseis que aprendeste tudo, porque então se fechariam as portas e se esfumaria a magia da vida.

Se quiserdes, segui-me. Mas não é obrigatório. Se alguém se lembrar de converter as minhas palavras numa lei, elas murcharão como flores no deserto. Eu não condeno ninguém. A minha missão não é condenar. Pelo contrário, sou feliz ao libertar as pessoas dos seus fardos.

Não tenho militantes, nem partidos, nem gabinetes, nem programas de governos, nem subordinados, mas só um punhado de amigos que aprenderam a dizer a palavra 'gratuito'. Sim, eu sei que isso é perigoso. Mas não tenhais medo porque quando a noite é mais escura já é pleno dia. Só aqueles que têm a alma aberta à surpresa podem nascer de novo".
Assim disse o Mestre. Mas os políticos, os financeiros e os clérigos do país assustaram-se imenso e decidiram contratar um assassino a soldo para o eliminar.»
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Pedro Miguel Lamet, s.j., in Saborear e Saber

Foto: Michael Belk

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