«Jesus relança o seu desafio por outra maneira de ser pessoa: não vos preocupais com as coisas, há outra coisa que vale mais. É o desafio contido na oração do Pai-nosso: o pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Pedimos-te apenas o pão suficiente para hoje, o pão que chega para o dia a dia, como o maná no deserto, não a ânsia de mais. É o desafio do monge: conheço mosteiros que vivem assim, como aves e como lírios, diariamente dependentes do céu. Mas este desafio é também para todos nós, cheios de coisas e temerosos do futuro.
Não podes servir Deus e a riqueza. Não é a riqueza que Jesus tem em mira – com efeito, entre os seus amigos havia pessoas ricas e pobres – mas o que ele chama, em aramaico, “mammona”, que «não é a riqueza em si, mas a que está escondida, é avara, fechada à solidariedade e é fonte de injustiça» (papa Francisco), que torna a pessoa escrava, que lhe absorve o tempo, os pensamentos, a vida.
Não valerá a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestir?
Ocupar-se menos das coisas e mais da vida verdadeira, que é feita de relacionamentos, conhecimento, liberdade, amor. Queres voar alto, como uma ave, queres florir na vida como um lírio? Então deves desfazer-te dos pesos. Madre Teresa de Calcutá costumava dizer: tudo o que não serve, pesa!
Menos coisas e mais coração: não uma renúncia, mas uma libertação. Das coisas, da “tralha” que comanda os pensamentos.
Olha as aves do céu… Olha os lírios do campo… se a ave tivesse medo porque amanhã pode chegar o falcão ou o caçador, deixaria de cantar, deixaria de ser uma nota de liberdade no azul.
Se o lírio temesse a tempestade que pode chegar amanhã, ou se se recordasse do temporal de ontem, nunca mais floresceria.
Jesus observa a vida, e a vida fala-lhe de confiança e de Deus. E diz-nos: felizes os puros de coração porque verão a Deus e descobrirão um altar onde se celebra a comunhão entre visível e invisível.
Por isso, não vos angustieis, aquela angústia que tira a respiração, para a qual não existe nem festa nem domingo, para a qual não há tempo para quem se ama, para contemplar uma flor, uma música, a primavera.
Procura antes de tudo o Reino de Deus e estas coisas ser-vos-ão dadas por acréscimo. Não é moralista o Evangelho, não se opõe ao desejo de alimento e vestuário, dizendo: é errado, é pecado, não serve; mas diz antes, tudo isto o tereis, mas a uma luz outra.
«O cristianismo não é uma moral mas uma perturbadora libertação» (Vannucci). Liberta dos pequenos desejos para desejar mais e melhor, para procurar o que faz voar, o que faz florir, e coloca-te em harmonia com tudo o que vive. Ensina uma relação confiante e livre contigo próprio, com o corpo, com o dinheiro, com os outros, com as criaturas mais pequenas e com Deus.
Não vos preocupeis. Mas como digo isto a quem não encontra trabalho, a quem não consegue chegar ao fim do mês, a quem não vê esperança para os filhos? A solução não é feita de palavras:
«Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser:”Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome», mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?» (Tiago 2, 15-16). Deus precisa das minhas mãos para ser Providência. Eu ocupo-me de outro, e então o Deus que veste as flores ocupar-se-á de mim.
Procura o reino, ocupa-te da vida interior, procura a paz para ti e para os outros, justiça para ti e para os outros, amor para ti e para os outros.
Menos coisas e mais coração! E encontrarás asas e liberdade.»
P. Ermes Ronchi
Fonte: http://www.snpcultura.org/menos_coisas_mais_coracao.html
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