segunda-feira, 15 de março de 2021

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO


“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Betsaida descreve os homens, ao vê-los pela primeira vez, como árvores que caminham. É a mais bela impressão física do corpo humano e é lógico que venha de um cego, porque os cegos são visionários.

Para compreender os carpinteiros é preciso adentrar-se no bosque, disfrutar da sua sombra, tropeçar nas muitas raízes e ouvir o cântico coral. (…) Aqui aparecem as árvores, com a mesma força e exultação das criaturas perante o seu Criador.

Nós, os modernos, costumamos mostrar indiferença pela matéria-prima e render culto ao produto acabado. Estamos habituados a pagar barata a fonte e caro o resultado. A Escritura Santa faz contas às árvores, à madeira e ao trabalho humano. (…)
Ele é carpinteiro, especialista em árvores e em cortes, construtor de móveis para a comunidade. Jesus nasce num estábulo, mas cresce na oficina de um artesão. (…)
A verdade é que Jesus percorreu de princípio a fim a instrução que leva de aprendiz a mestre durante os anos eternos da infância e da adolescência. O seu corpo cresceu debaixo da disciplina do trabalho manual. (…)

Na oficina de Yosef não lhe faltou nenhuma lição, nem sequer a das marteladas nos dedos. Cravou milhares de cravos e pregos até conseguir enfiá-los com três golpes certeiros sem necessidade de olhar para a cabeça onde havia de bater, prova bem conhecida da destreza em todas as carpintarias.

Carregou até ao Gólgota a árvore do patíbulo, e estava já identificado com ela.
Quando lhe entraram na carne os cravos, ao senti-los entrar, encontrou-se, pela primeira vez no lugar da madeira. Conhecia bem aqueles golpes, o som do ferro, o rasgão que se segue a cada martelada. Tinha deixado para trás tudo aquilo que agora voltava a encontrar. Vinha-lhe a imagem de Yosef que deixara entregue à sua velhice. Talvez já tivesse vendido as ferramentas e a oficina ao ver-se sem sucessor. Tocava-lhe a ele, Jesus, terminar como um madeiro estendido e bem preso, a sua vida era uma matéria-prima. A docilidade da madeira e a sua.

Não era como uma árvore que caminha, como dissera o cego de Betsaida. Ele estava plantado no chão e todos os seus passos terminavam ali com os pés juntos e os braços estendidos como ramos.

O Gólgota é um monte nu, sem vegetação. No cimo ergue-se agora um homem árvore, a esvair-se em sangue.

O vento sobre o Gólgota vinha de bosques distantes, carregado de cânticos.
Assim, enquanto se consumia o dia mais breve da sua vida, nas narinas entrava-lhe, como uma anestesia, a essência da resina, a ferida da árvore misturava-se com o sangue e os últimos suspiros voltavam aos bosques perfumados. Por isso sorriu e deixou cair a cabeça para o lado, sobre o ombro, lançando a última expiração com um forte estrondo como se fora a folhagem de uma árvore abatida.
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Erri De Luca, in “Penúltimas palavras acerca Yeshua/Jesus”

Tradução de Glória Marques

Foto:Michael Belk


quinta-feira, 11 de março de 2021

VOLTAR A JESUS


"Recentemente, um jovem perguntou-me que mudança eu queria ver na nossa sociedade. A minha resposta deixou-o surpreso. Disse que desejo que uma certa categoria de cristãos, em particular aqueles nos círculos internos da Igreja, mudem a maneira de ver a sua fé. Suspeito de que muitos católicos estão sofrendo pela exaustão, pela falsificação e pela banalização da nossa fé em Cristo!

Nenhum estudo científico é necessário para concluir que muitas pessoas batizadas estão a abandonar a religião. A nossa comunidade religiosa está a transformar-se numa comunidade de cabelos brancos! Aqueles que abandonam a Igreja não são desfavorecidos de inteligência. Também não são contrários ao fenómeno religioso. Eles simplesmente perderam o interesse ou sentem-se afastados porque nos veem "brincando de Igreja". É a forma como apresentamos o Evangelho, celebramos a nossa liturgia e, também, a nossa incoerência flagrante que faz com que as pessoas se sintam espiritualmente enganadas.

Hoje em dia, muitos filósofos confirmam que o desejo religioso é um facto antropológico que pode tomar muitas formas, mas que não pode ser erradicado. Para mim, isso confirma que existe um desejo implícito de conhecer a Cristo no coração de cada homem.

O homem contemporâneo ainda tem sede de fé, mas talvez tenha menos de religião. Devido ao seu desencantamento em assuntos que dizem respeito à fé, o homem moderno prefere percorrer um caminho diferente. Ele tem uma nova forma de ver o mundo e nós, enquanto Igreja, ainda estamos agarrados a uma visão obsoleta.

Precisamos ajudar o homem a descobrir a autenticidade original da fé cristã, precisamos ajudá-lo a dar o salto de uma religião de conveniência para uma religião de convicção; de uma religião cheia de leis a uma religião que nos dá o gosto da verdadeira liberdade; de uma religião de rituais vazios para uma religião que nos abre para o mistério.

É válido admirar a magnífica história da Igreja, mas não podemos continuar a gastar a nossa energia numa tradição que pode ter embaçado a nossa visão daquilo Cristo propõe.
Neste contexto, as palavras de Marcel Gauchet vêm à mente. Ele diz que o cristianismo "é a religião do fim da religião".

Os Evangelhos confirmam a tese de Gauchet de que o cristianismo deve trazer ao fim um certo tipo de religião. Foi isto que Cristo fez. Ele criticou flagrantemente certas práticas religiosas. Ele afirmou que o homem vem antes da lei! Ele deu um novo centro a uma religião que estava focada em sacrifícios: o amor (Mc 12, 33). Ele falou sobre a necessidade de derrubar o templo de Jerusalém para ele construí-lo novamente (Jn 2, 19).

Tudo isso serve para mostrar que o desafio que a Igreja está enfrentando é interno. Temos de trazer ordem à nossa própria casa para não corrermos o risco de acabar com um corpo sem alma. O adversário da nossa fé cristã não é o ateísmo, o secularismo ou o anticlericalismo, mas a nossa atual religiosidade cristã. Estamos tão cheios da nossa própria espiritualidade e de nós mesmos que deixamos pouco ou nenhum espaço para Cristo."
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Mario Grech, bispo de Gozo (Malta), in The Malta Independent, 15-04-2018. (adaptado)


domingo, 7 de março de 2021

NÃO FAÇAIS DA VIDA UM MERCADO


«Jesus de chicote na mão. Imprevisível. Mas sabem o que é que me toca e me comove em Jesus? Impressiona-me o facto de nele haver ao mesmo tempo a doçura e a ternura de uma mulher enamorada e a coragem, a determinação e a força de um herói em combate.

Jesus não é subserviente! Sabe dizer firmemente não, quando é preciso. (…)

Uma graça, este Cristo exigente que repete a cada um: não façais da fé um mercado, não façais da vida um mercado. Não useis, com Deus, a lei decadente da troca direta, em que tu dás alguma coisa a Deus para que Ele te retribua com uma outra.

Por vezes pensamos que indo à Igreja, cumprindo esse gesto, acendendo aquela vela, dizendo aquela oração, fazendo aquela oferta, estamos bem, já cumprimos o nosso dever, já demos e, agora, podemos esperar alguma coisa em troca.

Desse modo transformamo-nos em cambistas, e Jesus derruba a nossa banca. Se pensamos envolver Deus nos nossos jogos comerciais, temos de mudar de mentalidade: Deus não se compra, e é de todos. Não se compra sequer pelo preço da moeda mais pura.

«Fizestes da casa de Deus uma casa de comércio!», um mercado: é a acusação de Jesus. E eu interrogo-me: mas qual é a casa de Deus? Este templo lindíssimo com os seus ouros? Não, a casa mais verdadeira de Deus é a nossa vida. O templo somos nós. (…)

Então, o grito de Jesus passa a ser: não façais da vida um mercado! Não a reduzais ás leis da economia e do dinheiro. Não façais da vida um mercado, não a submetais à lei do dinheiro. Nem a outras leis: a lei do mais forte, do mais astuto, do mais violento.

Estas leis erradas estão na vida do homem como as ovelhas e os bois no templo de Jerusalém: profanam-na, sujam-na. São para a manada, para o rebanho, mas não para os filhos de Deus, na sua liberdade. Devem estar fora, fora de casa de Deus que é o homem.

Não contamineis o homem, não o profaneis! Profanar o homem é o pior sacrilégio que se pode cometer, sobretudo se ele é débil e indefeso, se é criança. O mais santo templo de Deus. (…)

Jesus quer instaurar a religião da interioridade – lembrem-se de Santo Agostinho: «Fora de mim te procurava e Tu estavas dentro de mim» -, leva-a à plenitude pelo caminho do coração. E alcança-nos na vida de todos os dias, no seu templo frágil, maravilhoso e incomensurável.

E mesmo que uma vida valha pouco, nada vale tanto como uma vida. Se pudéssemos caminhar dentro do mundo como dentro de um santuário imenso, e caminhar na direção das pessoas, vendo-as como um templo, então cada passo seria um passo para Deus, um passo dentro de Deus.»

Ermes Ronchi

sexta-feira, 5 de março de 2021

LER PARA CRER - Proposta de leitura para a Quaresma


"SÓ O POBRE SE FAZ PÃO" - Carlos Maria Antunes

Sinopse

Carlos Maria Antunes revela-nos o profético desafio de uma "mística de olhos abertos", um itinerário espiritual acessível a todos e apropriado aos tempos que correm. Mas revela-se também como um grande autor, com uma voz original e própria, que constituirá uma grata surpresa para cada leitor. Escutemo-lo: "É necessário que se desmoronem as muralhas da autossuficiência para que possamos descobrir que somos dom e graça, que somos pão. Só o coração pode reconhecer o dom que somos e este é o alimento que efetivamente nos sacia, que rompe com a espiral devoradora das necessidades. Há uma arte de viver em conjunto que o pão partilhado nos ensina. É uma arte frágil, delicada, onde todos somos principiantes.

Excertos

DEIXAR-SE LEVAR

"Há um passo importante no nosso itinerário para Deus: deixar-se levar. As experiências que acompanham a maturidade na fé reconduzem-nos sempre à infância.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais captamos o sentido dos gestos simples que brotavam espontaneamente em nós quando éramos crianças. Por exemplo: dar a mão e deixar-se levar. (...) Aprendemos a caminhar pela vida, assim, de mão dada, levados por outro, sem medo, com a alegria de ser amado.»
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PEREGRINOS

«Seduz-nos tanto o futuro programado e garantido, como se tudo dependesse de nós. E vamos dizendo: «mais vale um pássaro na mão do que dois a voar». O que não nos damos conta é que, ao não aceitar a provisoriedade própria da vida, nos fechamos à possibilidade do novo, do revelado, do inesperado. Cercamos a vida nos limites dos próprios «celeiros» que vamos construindo.(...)
Viver implica um grande desapego face à própria vida. Só se vive intensamente quando se está consciente que a qualquer momento podemos partir. Não podemos esquecer a nossa condição de peregrinos; e estes não constroem «celeiros», levam apenas uma pequena mochila com o mais essencial para a viagem».
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MORALISMO

«O moralismo é uma das piores ameaças a uma sã espiritualidade. Não deixa espaço à indagação, fecha todas as possibilidades de descoberta, destrói a autonomia e a consequente liberdade do sujeito, pois apresenta-se a priori como uma sentença definitiva, interiorizada acriticamente como reflexo de um determinado contexto cultural.
Deveríamos ser mais perscrutadores atentos da vida do que catalogadores. Somos movimento, somos fluir, somos alternância. Somos gente em acontecimento. Temos ainda para aprender uma suavidade no olhar sobre nós próprios e sobre os outros».
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SOBRE O AUTOR

Carlos Maria Antunes é presbítero e monge cisterciense no mosteiro de Santa Maria do Sobrado, na Galiza. Nascido em Tomar, foi durante década e meia pároco na diocese de Santarém. É autor dos livros "Atravessar a própria solidão" (2011) e "Só o Pobre se faz Pão" (2013), ambos editados pelas Paulinas.


quarta-feira, 3 de março de 2021

A CRUZ É OUTRA COISA


"É difícil não sentir desconcerto e mal-estar ao ouvir mais uma vez as palavras de Jesus: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Entendemos muito bem a reação de Pedro que, ao ouvir Jesus falar de rejeição e sofrimento, “o toma à parte e se põe a censurá-lo”.

Diz o teólogo mártir, Dietrich Bonhoeffer, que esta reação de Pedro “prova que, desde o princípio, a Igreja se escandalizou do Cristo sofredor. Ela não quer que o seu Senhor lhe imponha a lei do sofrimento”.

Este escândalo pode tornar-se hoje insuportável para nós que vivemos no que Leszek Kolakowsky chama “a cultura de analgésicos”, essa sociedade obcecada por eliminar o sofrimento e mal-estar através de todo tipo de drogas, narcóticos e evasões.

Se quisermos esclarecer qual deve ser a atitude cristã, temos que compreender bem em que consiste a cruz para o cristão, pois pode acontecer que nós a ponhamos onde Jesus nunca a pôs.

Facilmente chamamos “cruz” a tudo aquilo que nos faz sofrer, inclusive esse sofrimento que aparece na nossa vida, gerado pelo nosso próprio pecado, ou pela nossa maneira equivocada de viver. Mas não devemos confundir a cruz com qualquer desgraça, contrariedade ou mal-estar que acontece na vida.

A cruz é outra coisa. Jesus chama os seus discípulos para segui-lo fielmente e colocar-se a serviço de um mundo mais humano: o Reino de Deus. Isto é o principal. A cruz é apenas o sofrimento que nos virá como consequência desse seguimento; o destino doloroso que teremos de compartilhar com Cristo, se seguirmos realmente os seus passos. Por isso, não devemos confundir o “carregar a cruz” com posturas masoquistas, uma falsa mortificação, ou o que P. Evdokimov chama “ascetismo barato” e individualista.

Por outro lado, devemos entender corretamente o “renunciar a si mesmo”, condição que Jesus pede para carregar a cruz e segui-lo. “Renunciar a si mesmo” não significa mortificar-se de qualquer maneira, castigar-se a si mesmo e, menos ainda, anular-se ou autodestruir-se. “Negar-se a si mesmo” é não viver dependente de si próprio, esquecer-se do próprio “ego”, para construir a vida sobre Jesus Cristo. Libertar-nos de nós mesmos para aderir radicalmente a Ele.

Por outras palavras, “carregar a cruz” significa seguir a Jesus dispostos a assumir a insegurança, a traição, a rejeição ou a perseguição que o próprio Crucificado teve que padecer.

Mas nós crentes não vivemos a cruz como derrotados, mas como portadores de uma esperança final. Todo aquele que perde a sua vida por Jesus Cristo encontrá-la-á. O Deus que ressuscitou Jesus ressuscitar-nos-á também para uma vida plena.»
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José Antonio Pagola

Foto: Michael Belk

domingo, 28 de fevereiro de 2021

NOVA IDENTIDADE CRISTÃ

 


"Para ser cristão, a coisa mais decisiva não são as coisas que uma pessoa acredita, mas que relação vive com Jesus. As crenças geralmente não mudam as nossas vidas. Pode-se acreditar que Deus existe, que Jesus ressuscitou e muitas outras coisas, mas não ser um bom cristão. É a adesão a Jesus e a convivência com Ele que nos pode transformar.

Nos Evangelhos pode ler-se uma cena que tradicionalmente passou a ser chamada de «transfiguração» de Jesus. Já não é possível reconstruir a experiência histórica que deu origem ao relato. Só sabemos que era um texto muito querido entre os primeiros cristãos, pois, entre outras coisas, os encorajava a acreditar apenas em Jesus.

A cena situa-se numa «montanha alta». Jesus está acompanhado por dois personagens lendários da história judaica: Moisés, representante da Lei, e Elias, o profeta mais querido da Galileia. Só Jesus aparece com o rosto transfigurado. Desde o interior de uma nuvem ouve-se uma voz: «Este é o meu filho querido. Escutai-O».

O importante não é acreditar em Moisés ou Elias, mas sim escutar Jesus e ouvir a sua voz, a do Filho amado. O mais decisivo não é acreditar na tradição ou nas instituições, mas sim centrar as nossas vidas em Jesus. Viver uma relação consciente e cada vez mais comprometida com Jesus Cristo. Só então se pode ouvir a sua voz no meio da vida, na tradição cristã e na Igreja.

Só esta comunhão crescente com Jesus vai transformando a nossa identidade e os nossos critérios, vai curando a nossa forma de ver a vida, libertando-nos de escravidões, vai fazendo crescer a nossa responsabilidade evangélica.

Desde Jesus podemos viver de forma diferente. As pessoas já não são simplesmente atraentes ou desagradáveis, interessantes ou desinteressantes. Os problemas não são assuntos de cada um. O mundo não é um campo de batalha onde cada um se defende como pode. Começa a doer-nos o sofrimento dos mais indefesos. Atrevemo-nos a trabalhar por um mundo um pouco mais humano. Podemos parecer-nos mais com Jesus."
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José Antonio Pagola

Foto: Michael Belk

sábado, 27 de fevereiro de 2021

AQUELE QUE HABITA OS CÉUS SORRI



Vamos lembrar aquilo em que acreditamos:

Crês em Deus-amor que une o céu e a terra?

Crês em Jesus Cristo – Caminho, Verdade e Vida – de todos os que na fragilidade se sabem filhos?

Crês no Espírito Santo: Vida capaz de deixar vazios os túmulos; Vida capaz de erguer do chão; Amor que te deixa recomeçar, Amor que te torna inteiro?

Crês na Igreja, comunidade de erguidos e de erguedores; rebanho de pastores; comunidade de cuidadores feridos, de irmãos convocados para a mesma mesa?

Esta é a nossa Fé, é a Fé da Igreja, que professamos no nome de Jesus, o Nosso Senhor.

P. António Pedro Monteiro - https://aquelequehabitaosceussorri.blog/
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O texto acima é o credo rezado durante a Eucaristia Dominical presidida pelo P. António Pedro Monteiro.

São altamente recomendáveis as suas reflexões bíblicas em formato de podcast: 

Também temos a possibilidade e o privilégio de participar na Eucaristia Dominical presidida por ele, a qual é transmitida em direto, ao Sábado às 17:00 (ficando disponível para reprodução mais tarde) através do site: https://aquelequehabitaosceussorri.blog/transmissao/

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O PROJETO DO REINO DE DEUS


"A promessa de Jesus de que o Reino pode encontrar-nos de cabeça erguida (Lucas 21,28) depende de abraçar, aqui e hoje, a urgência de acolher esse Reino, deixando que a caridade, a justiça, o cuidado dos últimos, a construção da paz sejam a marca das nossas vidas e sinal de que ainda esperamos algo: venha a nós o Vosso Reino."
P. Francisco Martins, sj
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"Escreveram-se obras muito importantes para definir onde está a «essência do cristianismo». No entanto, para conhecer o centro da fé cristã não é preciso recorrer a nenhuma teoria teológica. O primeiro é captar o que foi para Jesus o Seu objetivo, o centro da Sua vida, a causa a que se dedicou de corpo e alma.

Ninguém duvida hoje que o Evangelho de Marcos o resumiu acertadamente com estas palavras: «O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Nova». O objetivo de Jesus foi introduzir no mundo aquilo que chamava «o Reino de Deus»: uma sociedade estruturada de forma justa e digna para todos, tal como a quer Deus.

Quando Deus reina no mundo, a humanidade progride na justiça, na solidariedade, na compaixão, na fraternidade e na paz. A isto se dedicou Jesus com verdadeira paixão. Por isso, foi perseguido, torturado e executado. «O Reino de Deus» foi o absoluto para Ele.

A conclusão é evidente: a força, o motor, o objetivo, a razão e o sentido último do cristianismo é «o Reino de Deus», não outra coisa. O critério para medir a identidade dos cristãos, a verdade de uma espiritualidade ou a autenticidade do que a Igreja faz é sempre «o Reino de Deus». Um Reino que começa aqui e alcança a sua plenitude na vida eterna.
A única maneira de ver a vida como a via Jesus, a única maneira de sentir as coisas como Ele as sentia, o único modo de agir como Ele agiu, é orientar a vida para construir um mundo mais humano. No entanto, muitos cristãos não ouviram falar assim do «Reino de Deus». E não foram poucos os teólogos que tiveram que ir descobrindo isso, pouco a pouco, ao longo das suas vidas.

Uma das «heresias» mais graves que foi introduzida no cristianismo é fazer da Igreja o absoluto. Pensar que a Igreja é o centro, a realidade perante a qual tudo o resto deve ser subordinado; fazer da Igreja o «substituto» do Reino de Deus; trabalhar para a Igreja e preocuparmo-nos com os seus problemas, esquecendo o sofrimento que há no mundo e a luta por uma organização mais justa na vida.

Não é fácil manter um cristianismo orientado segundo o Reino de Deus, mas quando se trabalha nessa direção, a fé transforma-se, faz-se mais criativa e, sobretudo, mais evangélica e humana."

José Antonio Pagola

domingo, 21 de fevereiro de 2021

CASA DE DEUS


"O encontro com Deus não é condicionado por lugares ou celebrações, mas é real e autêntico toda vez que o seu amor é comunicado e enriquece a vida dos outros..."
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«Os Evangelhos e a tradição ensinam que não é apenas a igreja o lugar para encontrar Deus, e não é apenas a celebração eucarística que pode alimentar o crente.

Na Eucaristia, Jesus, o Filho de Deus, faz-se pão, para que aqueles que o comem e o assimilam também sejam capazes de se fazer pão, alimento para os outros... Esse pão deve ser comido, como expressamente pediu Jesus "tomai e comei" (Mt 26,26), esse é seu convite dinâmico ("Façam isso ...", Lc 22:19), não estático. Portanto, durante a ceia eucarística, os primeiros crentes continuaram a fazer o que o Senhor havia feito, comendo juntos esse pão e tornando-se alimento uns para os outros, permitindo assim a fusão íntima da presença de Deus nos seus filhos.

Depois, o pão consagrado foi levado aos doentes que não podiam participar da ceia (na hagiografia cristã São Tarcísio, o jovem que morreu mártir por ter levado o pão eucarístico aos prisioneiros) tornou-se muito popular. Esse pão consagrado para os doentes e prisioneiros era conservado na sacristia (que tem esse nome devido a este uso), onde os subdiáconos iam buscá-lo para levá-lo àqueles que precisavam.

Então, gradualmente, da sacristia, o pão eucarístico deslocou-se para a igreja, onde, para evitar abusos prescreveu-se guardá-lo fechado, consolidando a prática dos "tabernáculos" (moradias) nos muros; no entanto, nas basílicas mais antigas, apenas um dos altares laterais estava reservado para o tabernáculo e não o principal, como aconteceu nos séculos seguintes, até se tornar a parte mais importante e sagrada da igreja. Surgiram então devoções populares, como a adoração eucarística e a "visita ao Santíssimo "...

Foi, portanto, por causa da Eucaristia conservada no tabernáculo que a igreja foi erroneamente considerada a "casa de Deus". Mas a igreja não é a "casa de Deus", um lugar sagrado, mas o lugar do povo de Deus, que ali se reúne para as celebrações, como ensina a tradição mais antiga da Igreja: "Não é o lugar que santifica o homem, mas homem o lugar ”(Constituições Apostólicas, VIII, 34,8).

Jesus libertou o homem de todo espaço sagrado; não existe casa de Deus além do homem; por esse motivo, desejou o desaparecimento de todo o santuário (“a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai ... os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade", Jo 4:21,23)...

O local do encontro com Deus é Jesus Cristo e com Ele todo homem que O acolhe: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada.» (Jo 14,23). O homem é o único verdadeiro santuário a partir do qual o amor do Pai pelas suas criaturas se manifesta e irradia. É por isso que a presença de Cristo não se limita à igreja, ao santíssimo sacramento. O encontro com Deus não é condicionado por lugares ou celebrações, mas é real e autêntico toda vez que o seu amor é comunicado e enriquece a vida dos outros."
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Alberto Maggi (sacerdote e teólogo, biblista, frei da Ordem dos Servos de Maria)

Ilustração: Agustin de la Torre

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

SONHO COM UMA IGREJA...


"Quero viver na Igreja, convertendo-me a Jesus. Esse tem de ser o meu primeiro contributo. Quero trabalhar por uma Igreja que seja sentida pela gente como “amiga dos pecadores”; por uma Igreja que procure os “marginalizados”, mesmo descurando talvez outros aspetos que podem parecer mais importantes; por uma Igreja que se preocupe com a felicidade das pessoas, que acolha, que escute e acompanhe todos os que sofrem; por uma Igreja de coração grande em que, todas as manhãs nos ponhamos a trabalhar pelo Reino, sabendo que Deus fez sair o sol sobre os justos e pecadores...Não vejo outra maneira mais autêntica de amar a Igreja do que trabalhar na sua conversão ao Evangelho."
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José Antonio Pagola, in "Jesus: uma abordagem histórica"

Ilustração: Agustin De La Torre

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO


“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Betsaida descreve os homens, ao vê-los pela primeira vez, como árvores que caminham. É a mais bela impressão física do corpo humano e é lógico que venha de um cego, porque os cegos são visionários.

Para compreender os carpinteiros é preciso adentrar-se no bosque, disfrutar da sua sombra, tropeçar nas muitas raízes e ouvir o cântico coral. (…) Aqui aparecem as árvores, com a mesma força e exultação das criaturas perante o seu Criador.

Nós, os modernos, costumamos mostrar indiferença pela matéria-prima e render culto ao produto acabado. Estamos habituados a pagar barata a fonte e caro o resultado. A Escritura Santa faz contas às árvores, à madeira e ao trabalho humano. (…)

Ele é carpinteiro, especialista em árvores e em cortes, construtor de móveis para a comunidade. Jesus nasce num estábulo, mas cresce na oficina de um artesão. (…)
A verdade é que Jesus percorreu de princípio a fim a instrução que leva de aprendiz a mestre durante os anos eternos da infância e da adolescência. O seu corpo cresceu debaixo da disciplina do trabalho manual. (…)

Na oficina de Yosef não lhe faltou nenhuma lição, nem sequer a das marteladas nos dedos. Cravou milhares de cravos e pregos até conseguir enfiá-los com três golpes certeiros sem necessidade de olhar para a cabeça onde havia de bater, prova bem conhecida da destreza em todas as carpintarias.

Carregou até ao Gólgota a árvore do patíbulo, e estava já identificado com ela.
Quando lhe entraram na carne os cravos, ao senti-los entrar, encontrou-se, pela primeira vez no lugar da madeira. Conhecia bem aqueles golpes, o som do ferro, o rasgão que se segue a cada martelada. Tinha deixado para trás tudo aquilo que agora voltava a encontrar. Vinha-lhe a imagem de Yosef que deixara entregue à sua velhice. Talvez já tivesse vendido as ferramentas e a oficina ao ver-se sem sucessor. Tocava-lhe a ele, Jesus, terminar como um madeiro estendido e bem preso, a sua vida era uma matéria-prima. A docilidade da madeira e a sua.

Não era como uma árvore que caminha, como dissera o cego de Betsaida. Ele estava plantado no chão e todos os seus passos terminavam ali com os pés juntos e os braços estendidos como ramos.

O Gólgota é um monte nu, sem vegetação. No cimo ergue-se agora um homem árvore, a esvair-se em sangue. O vento sobre o Gólgota vinha de bosques distantes, carregado de cânticos.

Assim, enquanto se consumia o dia mais breve da sua vida, nas narinas entrava-lhe, como uma anestesia, a essência da resina, a ferida da árvore misturava-se com o sangue e os últimos suspiros voltavam aos bosques perfumados. Por isso sorriu e deixou cair a cabeça para o lado, sobre o ombro, lançando a última expiração com um forte estrondo como se fora a folhagem de uma árvore abatida.
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Erri De Luca, in “Penúltimas palavras acerca Yeshua/Jesus”

Tradução de Glória Marques

Foto:Michael Belk


domingo, 14 de fevereiro de 2021

O MESTRE


«Naquela manhã o Mestre olhou o horizonte e percebeu que não podia difundir a sua doutrina entre os poderosos. Estes tinham palácios, fábricas, refinarias, grupos de comunicação, multinacionais e bonitas mulheres que acordariam ao cheiro do seu dinheiro dispostas a tudo. Estavam demasiado cheios para receber alguma coisa.

Por isso decidiu pisar o pó dos caminhos e ir ao campo pregar a sua mensagem a pobres camponeses e a pescadores famintos, reunir os doentes e deserdados das aldeias e falar-lhes junto ao lago.

Dizia: "Felizes os pobres, os que não contam, os que precisam de carinho e estão sós. Felizes os não violentos, os que semeiam a paz e estão sempre dispostos a perdoar e a estender uma mão. Não tenhais medo de dizer a verdade, ainda que tentem amordaçar-vos ou vos levem presos, porque só a verdade faz as pessoas livres.

Quando sois pequenos, sois grandes, e quando ajudais uma destas velhinhas ou qualquer criança maltratada acendeis em vós um fogo que não acaba. Com cada sorriso ou copo de água que deis aos outros encontrar-vos-eis a vós mesmos, porque a nossa essência é dar e há mais alegria em dar do que em receber.

Não procureis Deus entre as nuvens, mas ao vosso lado, nos vossos vizinhos e na vossa cidade. Desconfiai dos místicos que fogem dos homens e parecem insensíveis paus de vassouras. Aqueles que com tanta segurança ditam normas e se consideram administradores divinos parecem máquinas fornecedoras de tabaco programadas para falar sem sentir. Confiai só naqueles dispostos a aprender de vós e nunca penseis que aprendeste tudo, porque então se fechariam as portas e se esfumaria a magia da vida.

Se quiserdes, segui-me. Mas não é obrigatório. Se alguém se lembrar de converter as minhas palavras numa lei, elas murcharão como flores no deserto. Eu não condeno ninguém. A minha missão não é condenar. Pelo contrário, sou feliz ao libertar as pessoas dos seus fardos.

Não tenho militantes, nem partidos, nem gabinetes, nem programas de governos, nem subordinados, mas só um punhado de amigos que aprenderam a dizer a palavra 'gratuito'. Sim, eu sei que isso é perigoso. Mas não tenhais medo porque quando a noite é mais escura já é pleno dia. Só aqueles que têm a alma aberta à surpresa podem nascer de novo".
Assim disse o Mestre. Mas os políticos, os financeiros e os clérigos do país assustaram-se imenso e decidiram contratar um assassino a soldo para o eliminar.»
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Pedro Miguel Lamet, s.j., in Saborear e Saber

Foto: Michael Belk

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Era uma vez uma divindade
que escrevia com a ponta do dedo
os seus melhores desejos
na dupla face de uma pedra

por ser divindade a sério
era daquelas que aprendia
e aprendeu sem confrangedora demora
que pedra mais dura existia
na testa empinada dos seus
e no coração dos que amava

foi nesse dia elegido
o povo de cabeça dura
e estreada a oração mais eficaz:
arranca-me o coração de pedra
e dá-me coração de carne

era uma vez uma divindade
que sobre pedra assim
quis edificar uma igreja
e escreveu-lhe a lei no chão
com a ponta do dedo, pois
claro
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Rui Santiago cssr

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Quem são os desiludidos com o Papa Francisco?


«No começo era apenas um murmúrio discreto, mas logo se converteu numa reclamação cada vez maior, e agora, há, sem dúvida, uma dissidência aberta contra o papa que veio do fim do mundo (e há muitos que o empurrariam de volta para lá).

Francisco em pouco tempo conseguiu dececionar a muitos. E essa deceção converteu-se em ressentimento, primeiro escondido e agora à vista de todos.

• Alguns dos cardeais que o elegeram estão desapontados. Ele era o homem ideal, sem "mortos" nos armários, doutrinariamente conservador, mas receptivo a novas ideias. Com ele seria possível garantir um período de paz nos escândalos da Igreja, um período sem "terremotos" e divisões. Eles nunca pensaram que Bergoglio teria intenção de reformar a Cúria romana, de eliminar os seus privilégios ou que fustigaria as vaidades do clero. A sua mera presença, simples e espontânea, é uma acusação constante aos prelados pomposos, faraós anacrónicos cheios de si mesmos...

• Os bispos de carreira estão dececionados, aqueles para os quais uma nomeação para uma cidade era apenas mais um degrau para uma posição de maior prestígio. Eles estavam prontos para clonar-se com o pontífice, para imitá-lo em todos os sentidos, desde os gestos externos até aos doutrinários, qualquer coisa para agradar-lhe e obter favores. Pois agora, este papa convida os bispos ambiciosos e vaidosos a terem o cheiro das ovelhas... Que horror!

• Uma parte do clero está dececionada. Sentem-se deslocados. Criados no estrito cumprimento da doutrina, indiferentes às pessoas de bem, agora não sabem como comportar-se. Precisam recuperar uma "humanidade" que a estrita observância das normas da Igreja atrofiou. Pensavam que estavam, como sacerdotes, acima das pessoas, e agora este Papa os convida a descer e a pôr-se ao serviço dos últimos...

• Dececionados estão os leigos comprometidos com a renovação da Igreja e os tradicionalistas, super-apegados ao passado. Para os últimos, o papa é um traidor que está trazendo a ruína para a igreja. Para os primeiros, o Papa Bergoglio não está fazendo o bastante, não muda as regras e as leis que não estão mais em sintonia com os tempos, não legisla, não utiliza a sua autoridade como "comandante" da Igreja...

Mas...

- Muito entusiasmados com ele estão os pobres, os marginalizados e invisíveis, e também todos aqueles, cardeais, bispos, sacerdotes e leigos que durante décadas foram marginalizados devido à sua fidelidade ao Evangelho, vistos com suspeita e perseguidos devido a esta "louca mania " pela Sagrada Escritura à custa da tradição. O que eles apenas esperavam, sonhavam ou imaginavam, tornou-se uma realidade com Francisco, o papa que fez o mundo redescobrir a beleza do Evangelho.»
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Alberto Maggi (sacerdote e teólogo, biblista, frei da Ordem dos Servos de Maria)

sábado, 6 de fevereiro de 2021

UMA MÃO ESTENDIDA


«O Evangelho de Jesus é experiência de casa, de encontro e comunhão, de palavra para todos, lugar aberto à novidade do Reino.

No relato de hoje, Jesus desloca-se da sinagoga, lugar oficial da religião judaica, à casa, onde se vive a vida quotidiana, junto dos entes mais queridos. Nessa casa vai sendo gerada a nova família de Jesus. As comunidades cristãs devem recordar que não são um lugar religioso onde se vive da Lei, mas um lar onde se aprende a viver de maneira nova ao jeito de Jesus.

A primitiva comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus não começou formando uma nova religião instituída, mas uma aliança de casas abertas, a partir dos pobres e para os pobres, criando redes de comunicação e de vida fraterna, casas-família, impulsionadas pelo testemunho e presença do Espírito do mesmo Jesus. “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum... partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração” (At. 2,44-46).

A casa deve ser escola de encontro e fraternidade. A casa prepara para a vida, pois é ali que os fundamentos de uma personalidade se vão solidificando. Para Jesus, ser “humano” é ser casa aberta e acolhedora.

O evangelho de Marcos apresenta Jesus como “tekton” (6,3), construtor (pedreiro, ferreiro, carpinteiro…), e o seu ofício era construir casas. Um dia descobriu que sua missão não era construir mais casas para o sistema injusto; deslocou-se, então, para as periferias, em direção aos sem-teto e iniciou um movimento de transformação, a fim de que todos pudessem ter “casa na terra de Deus”. Quis construir sobre o mundo a nova Casa do Reino, aberta a todos, com pão, com palavra, com amor mútuo. Ele, que não teve onde reclinar a cabeça, quis que todos os homens e mulheres tivessem casa, família... cem vezes mais. Assim, deixando o seu trabalho de construtor, se fez “arqui-tekton” do Reino de Deus, onde todos pudessem construir as suas casas em bases sólidas, começando pelos excluídos sociais: leprosos, cegos, paralíticos, coxos... Não construiu casinhas para pobres sem teto nas ladeiras e encostas da Galileia, mas moradas com fundamentos na rocha; ou seja, ofereceu-lhes dignidade e consciência, solidariedade e desejo de viver, espírito de comunhão e partilha... para que eles mesmos pudessem criar novas moradas (construí-las e compartilhá-las). A boa nova da “Casa de Deus” (para todos) devia começar pelos mais pobres, excluídos, sem-teto e sem-terra, portadores de uma nova esperança de vida e casa compartilhada.

Num mundo no qual as relações se estabeleciam através da força, da dominação, de uma maneira de exercer o poder em que o forte se impõe sobre o fraco, o rico sobre o pobre, o que possui informação sobre o ignorante, o relato da mulher curada por Jesus, o evangelho de hoje, introduz-nos na nova ordem de relações que devem caracterizar o Reino: nele a vinculação fundamental é a da irmandade no serviço mútuo.

Do “exorcismo” da sinagoga passamos às “curas” nas casas e a primeira destinatária da ação de Jesus é a sogra de Pedro, erguendo-a da cama e curando-a no dia de sábado. Ela, uma vez curada, respondeu com um gesto de serviço, na sua casa, oferecendo uma refeição a Jesus e aos seus companheiros, como uma ação que inaugura o primeiro ministério cristão.

Ela mesma compreendeu, como mulher, o que significa estar ao serviço da vida. Com gratidão, correspondeu à ação de Jesus que lhe estendeu a mão para levantá-la da sua enfermidade, precisamente no dia de sábado; seu gesto (deixar-se levantar por Jesus e servir os outros) marcará, de agora em diante todo o evangelho de Marcos, onde as mulheres serão as protagonistas. Ela superou um tipo de religião farisaica e se vinculou a Jesus de um modo pessoal, como servidora, a “ministra” da comunidade cristã.

Por isso, quando Marcos nos apresenta a sogra de Pedro “servindo”, está nos dizendo: aqui há alguém que entrou no círculo de Jesus, que “alistou-se” no seu movimento, que respondeu ao seu convite para colocar-se aos pés dos outros e começou a “ter parte com Ele” (Jo 13,8).

Muitas dificuldades que temos na vida relacional procedem justamente de nossa resistência em nos colocar na atitude básica de um serviço que não pede recompensas, nem exige agradecimentos... Quem busca viver assim, basta-lhe a alegria e o prazer de poder estar, como Jesus, com a mão estendida para erguer o que está prostrado sob o peso da enfermidade.

Assim está Jesus sempre presente entre os seus: com uma mão estendida que a todos levanta, como um amigo próximo que infunde vida. Jesus só sabe servir, não ser servido.
Quantas distâncias se encurtam quando se toma alguém pela mão! Quantas suspeitas se dissipam quando se toma alguém pela mão! Quantos medos são superados quando se toma alguém pela mão!... As mãos são divinas: expressam ternura, proteção, cuidado. Para Jesus, as mãos são para isso: levantar o outro, ajudar o outro a colocar-se de pé, devolver ao outro a capacidade de dar direção à própria vida.

Graças a muitas pessoas que se deixaram “tomar pela mão” por Jesus para “levantar-se” e “servir”, o cristianismo primitivo foi se constituindo em pequenas comunidades domésticas, reunidas nas casas, onde muitas mulheres assumiram funções eclesiais, ora como missionárias itinerantes e ora como responsáveis pelas igrejas familiares, onde presidiam a oração e a fração do pão.»
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Pe. Adroaldo Palaoro, sj
Imagem: "Jesus curando a sogra de Pedro" , Rembrandt


 

INDAGAÇÕES SOBRE O CARPINTEIRO

“A árvore é força vertical da natureza, da terra em direcção ao céu. Tem a postura da espécie humana. Por isso o cego que Jesus curou em Bet...