sexta-feira, 26 de maio de 2017

O campo das mullheres, o riso de Deus


«Os homens têm medo das mulheres. É um medo que lhes vem de tão longe como a vida. É um medo do primeiro dia, que não é apenas do corpo, do rosto e do coração da mulher, mas que é também medo da vida e medo de Deus. Porque estas três realidades aproximam-se: a mulher, a vida e Deus. Que é uma mulher? Ninguém sabe responder a esta pergunta, nem mesmo Deus que, no entanto, as conhece por ter sido gerado por elas, alimentado por elas, velado e consolado por elas. As mulheres não são Deus. As mulheres não são completamente Deus. Pouco lhes falta para o ser. Falta-lhes muito menos que ao homem.

As mulheres são a vida, na medida em que a vida está mais próxima do riso de Deus. As mulheres têm a custódia da vida, durante a ausência de Deus, têm a seu cargo o sentimento límpido da vida efémera, a sensação de base da vida eterna. E os homens, não podendo superar o seu medo das mulheres, crendo superá-las em seduções, guerras ou trabalhos, mas jamais as ultrapassando realmente, os homens, tendo um medo eterno das mulheres, condenam-se eternamente a não conhecer quase nada delas, a não saber quase nada da vida e de Deus. Porque são os homens a fazer as igrejas, é inevitável que as igrejas desconfiem das mulheres, como, aliás, desconfiam de Deus, procurando domesticá-las a elas e domesticá-lo a Ele, procurando conter a vida plena no leito muito ponderado dos preceitos e dos ritos. [...]

É sempre possível ao homem juntar-se ao campo das mulheres, ao riso do Deus. Basta um movimento, um simples movimento igual ao que fazem as crianças quando se atiram para a frente, com todas as forças, sem medo de cair ou morrer, esquecendo o peso do mundo. Um homem que sai de si mesmo, do seu medo, ignorando este peso do passado, tal homem torna-se como aquele que já não ocupa um posto, que já não acredita nas fatalidades ditadas pelo sexo, nas hierarquias impostas pela lei ou pelo costume: uma criança ou um santo, na proximidade risonha de Deus - e das mulheres.

Ninguém mais que Cristo voltou o seu rosto para as mulheres, como se volta o olhar para as folhas de uma árvore, como nos debruçamos sobre a água de um rio, a fim de daí extrair força e gosto para prosseguir o caminho.

As mulheres, na Bíblia, são quase tão numerosas como os pássaros. Estão lá, no início, e estão lá, no fim. Elas dão Deus à luz, vêem-no crescer, brincar e morrer; depois, ressuscitam-no com os gestos simples do amor louco, os mesmos gestos desde o começo do mundo, nas cavernas da pré-história, como nos quartos super-aquecidos das maternidades.»

Christian Bobin, in "Francisco e o Pequenino"

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