segunda-feira, 31 de outubro de 2011

É PRECISO CHORAR O DESAMOR (3ª FOLHA)


A terceira folha representava dois rostos numa troca de olhares. Um rosto era o de S. Pedro e chorava amarguradamente. O outro era o rosto de Cristo, que, passando e voltando-se, o olhava em silêncio. Reconheci logo aquele momento em que Jesus é trazido pelos soldados para fora de casa do sumo sacerdote e ali mesmo – no pátio – se cruza com Pedro que o acabara de negar três vezes. Sob a gravura uma legenda dizia: "É PRECISO CHORAR O DESAMOR"


Impressionou-me que Pedro não se tivesse tentado justificar. "Sabes como é, Senhor, se eu tivesse dito que Te conhecia também não ia adiantar nada, pois no fundo, se analisarmos bem a questão..." Impressionou-me que ele nem sequer se tivesse tentado desculpar. "Lamento o sucedido mas Tu sabes, Senhor, um homem não é de ferro. E Tu conheces esta minha dificuldade em situações de tensão... Já vem de pequeno, das relações com os meus pais. E a sociedade, por outro lado, também não ajuda, porque infelizmente hoje em dia..."


Naquele pátio, Pedro não se justificou nem se desculpou. Apenas olhou Cristo e chorou. Fiquei a pensar que – entre as pessoas – a grande diferença não é que uns sejam bons e outros maus mas que uns se desculpam e outros choram. Certo, também, que há lágrimas que não levam a lado nenhum, há lágrimas que são de simples remorso ou de orgulho ferido. Mas não eram estas as de Pedro. As suas lágrimas eram todas de amor, de uma pena enorme de O ter traído, de uma enorme confusão ao pensar que numa hora tinha deitado para a fogueira tudo quanto havia de mais sagrado na sua vida. 


Fiquei a olhar para esta terceira folha do Manual de Conversão enquanto repetia a legenda: "É preciso chorar o desamor."
Pensei que não basta achar mal o nosso pecado, que não basta com a razão reconhecer que está mal e com a vontade decidir mudar. É preciso deixar-se revoltar contra ele ao ponto de chorar.» 


Nuno Tovar de Lemos, s.j., em "O Príncipe e a Lavadeira"

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